quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Pátria Celestial: a cidade eterna de todos os salvos em Cristo

Por Luciano Borges de Santana


Sede também meus imitadores, irmãos, e tende cuidado, segundo o exemplo que tendes em nós, pelos que assim andam. Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles é para confusão deles mesmos, que só pensam nas coisas terrenas. Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas (Filipenses 3.17-20)

Recentemente em um discurso em Salvador (BA), o católico e ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em mais uma de suas infelizes declarações afirmou o seguinte:

Bobagem, essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo tá no futuro. É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu. O rico já está no céu, aqui. Porque um cara que levanta de manhã todo o dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no céu. Agora o coitado que levanta de manhã, de sol a sol, no cabo de uma enxada, não tem uma maquininha para trabalhar, tem que cavar cada covinha, colocar lá e pisar com pé, depois não tem água para irrigar, quando ele colhe não tem preço. Esse vai pro inferno. Queremos que todo mundo vá pro céu, agora. Queremos ir pro céu vivo. Não venha pedir para a gente morrer para ir pro céu que a gente quer ficar aqui mesmo.

Lamentavelmente o que no ex-presidente sobra de bravatas, falta uma boa leitura da Palavra de Deus. O texto aparentemente interpretado por Lula se encontra em Lucas 18.25. Mas, uma leitura atenta e mais acurada dessa passagem revela algo muito diferente do que Lula afirmou. A conclusão de Jesus nesse texto foi movida pela atitude do jovem rico, que nos versículos anteriores foi indagar o Mestre sobre o que era necessário fazer para herdar a vida eterna (Lc. 18.18-23). O Senhor descreveu uma série de mandamentos, todos baseados nos preceitos do Antigo Testamento. O jovem, então, afirmou que tudo aquilo cumpria desde a sua mocidade. Apesar do texto de Lucas não conter a expressão que se segue, o evangelho de Marcos registra que "Jesus, olhando para ele, o amou" (Mc. 10.21). Os momentos seguintes são conhecidos em todos os evangelhos sinóticos. O jovem rejeita o convite de Jesus para vender tudo quanto tinha, doá-los aos pobres e ter um tesouro no céu. Ou seja, o Senhor fez um convite para um rico, dominado pelo legalismo de uma prática religiosa, doar tudo quanto tinha para os pobres e adquirir um tesouro em seu reino. Foi após a atitude do jovem rico que o Mestre afirmou que era muito difícil entrar no reino de Deus, aquelas pessoas dominadas pelas riquezas. Não que um rico não possa ser salvo ou que necessariamente todos os pobres são simpatizantes à mensagem do evangelho, mas não é de admirar que aqueles dominados pelas posses materiais tornam-se menos sensíveis à pregação da Palavra de Deus e ao convite feito por Jesus.
Mas, resolvida a má e descontextualizada interpretação bíblica do ex-presidente ainda há um problema para ser resolvido. Anelar pelas promessas espirituais de um mundo após a morte é algo inerentemente insano? Lutar pelo fim das desigualdades sociais e da redução da pobreza é algo incompatível com a esperança em um mundo vindouro? Analisando estruturalmente a Palavra de Deus, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento é possível argumentar que não. Vejamos as razões.
Um dos poemas mais conhecidos e declamados pelos brasileiros chama-se "A canção do exílio" escrito em 1843 na Universidade de Coimbra, Portugal, por Gonçalves Dias. O autor havia deixado o país cinco anos antes para estudar Direito na Universidade da cidade e após a leitura da balada "Mignon", de Wolfgang Goethe, ganhou inspiração suficiente para escrever o texto que se segue.

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."

Se compararmos o texto bíblico destacado no início do artigo e o saudosismo da poesia de Gonçalves Dias, torna-se muito mais fácil perceber que ao anelarem a volta de Jesus e o estabelecimento do seu reino, os cristãos não são de forma alguma pessoas alienadas ou conformadas com os sofrimentos da vida. Quando o apóstolo Paulo escreveu a Carta aos Filipenses ele estava na prisão em Roma, e apesar da idade e das circunstâncias adversas, a carta é uma mensagem de alegria. "E vós também regozijai-vos e alegrai-vos comigo por isto mesmo" (Fp. 2.18). "Regozijai-vos, sempre, no Senhor; outra vez digo: regozijai-vos" (Fp. 4.4). A Carta aos Filipenses é uma profunda mensagem de esperança e revela a preocupação de Paulo com a segurança doutrinária da igreja e o destino eterno de todos os salvos. A palavra grega traduzida para pátria ou cidade nas versões bíblicas é "politeuma", que significa "comunidade", "cidadania" ou "comunidade governada por leis". Ou seja, apesar de vivermos neste mundo e gozarmos de uma cidadania secular, espiritualmente os salvos em Cristo são cidadãos de uma pátria celestial, sendo portanto, muito natural e compreensível anelar por ela.
Há um princípio parecido que orientou outros escritores do Novo Testamento. As Escrituras consideram que os salvos são peregrinos, forasteiros (gr. parapidêmos), ou seja uma "pessoa estranha", "que reside por pouco tempo no estrangeiro". "Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia" (I Pe. 1.1). "Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma" (I Pe. 2.11). Apesar de politicamente aqueles santos serem de fato estrangeiros em terra alheia, o apóstolo Pedro parte desse argumento para mostrar que espiritualmente eles também eram peregrinos e forasteiros, pessoas que temporariamente estavam de passagem neste mundo, mas cuja cidadania pertencia a um outro país, um outro reino e uma outra esperança.
  Curiosamente esse princípio já era observado por algumas pessoas no Antigo Testamento, homens e mulheres que olhavam para o futuro, mesmo recebendo promessas de Deus, bênçãos e riquezas materiais. "Pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus" (Hb. 11.8-10). A palavra grega traduzida por habitou é "paroikos" que designa "um estrangeiro que habita em um lugar sem direitos de cidadão". Logo, mesmo recebendo a promessa de que seus descendentes herdariam um território secular, Abraão olhava para uma cidade futura, eterna e construída pelo próprio Deus. Tudo isso com um detalhe interessante: diferentemente do pobres, ridicularizados frequentemente por nutrirem esperanças por um reino futuro, Abraão era extremamente rico, assim como seus descendentes diretos, Isaque e Jacó (Gn. 13.2; 26.12-14; 33.11).
Voltando ao texto da Carta aos Filipenses, é interessante observar como o apóstolo Paulo se incluía entre aqueles que esperam a volta do Salvador. A palavra traduzida por esperamos ou aguardamos em Fp. 3.20 é "apexdechomai" que significa "esperar assídua e pacientemente por algo. Paulo sabia em quem tinha crido. Seu Senhor e Salvador Jesus Cristo nunca poderia mentir. Por isso já prevendo que seria martirizado pelo evangelho ele afirmou o seguinte: "Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda" (II Tm. 4.6-8). 
Portanto, diferentemente do que o ex-presidente Lula afirmou em sua declaração, a crença em um reino espiritual e futuro não é uma alienação e muito menos desobriga os salvos em Cristo de lutarem por um mundo melhor, uma sociedade mais justa e por um uso socialmente responsável do planeta em que vivemos. Todavia, acreditamos piamente que haverá algo maior e muito superior a tudo o que possamos construir neste mundo: "Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada" (Rm. 8.18). Louvado Seja o Senhor!

Os Evangélicos e a Pororoca Gay

Robinson Cavalcanti é um conhecido bispo anglicano e durante muito anos foi um fiel seguidor do PT e do discurso da esquerda de forma geral. Hoje como professor aposentado e mais livre para exercer o seu ministério, tem escrito diversos artigos onde questiona tudo aquilo que antes escrevera e tem se colocado como um dos paladinos da defesa da fé evangélica. Reconheço que o artigo abaixo escrito por ele é espinhoso. Afinal, quem nunca foi taxado de "conservador" por ser contra o homossexualismo? Diante do avanço de ideias tão totalitárias no mundo ocidental e do fundamentalismo do "politicamente correto" não custa analisar o seu discurso.

CAVALCANTI, Robinson B. Os evangélicos e a Pororoca Gay. Disponível em: <http://www.portuguese.christianpost.com/noticias/20110714/os-evangelicos-e-a-pororoca-gay/> Acesso em: 04 ago 2011.

Vive-se sob o impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em legalizar as uniões homoeróticas. Uma Assembleia Constituinte soberana, tanto na intenção como na redação, restringiu esse instituto a um homem e uma mulher. Igualmente o Código Civil. A decisão do STF contrariou a intenção e o texto do legislador. A função legisferante é competência do Legislativo, mas as Medidas Provisórias (MP), decretos e portarias deslocam essa função para o Executivo, fragilizando a democracia. Vem crescendo essa indesejável função legisferante também por parte do Poder Judiciário, nas “interpretações”, de evidente viés ideológico. Uma Corte de militantes é outro risco para a democracia e para a segurança jurídica dos cidadãos. Outras “interpretações” não tardarão, impondo uma camisa de força sobre a liberdade do Legislativo quanto a essa matéria, como a PLC 122, um atentado à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. Ela foi aprovada na Câmara dos Deputados ausentes todos os deputados evangélicos, e nenhum advogado representando qualquer organização protestante se fez ouvir no STF. Os escombros do Muro de Berlim caíram sobre as ideologias contemporâneas, e o vazio foi preenchido pela chatice do “politicamente correto” (puritanismo de esquerda), a defesa do multiculturalismo contra valores universais, a cultura da morte, o relativismo pós-moderno, e a agenda GLSTB, enquanto prospera o hedonismo consumista egoísta e alienante. Afirmei: ‘Pobre geração, que a única utopia que lhe restou foi a defesa da sodomia!’.
A articulação internacional dos homossexuais, e das elites secularistas, foi a mais conhecida pela humanidade, com uma plataforma: descriminalização, retirada do rol das enfermidades (decisão política e não científica), legalização, paralisação dos oponentes pecha de “homofobia”, e, por fim, criminalização dos “homofóbicos”. Afirma-se o caráter natural, inevitável e irreversível dessa “orientação” (predestinação erótica). Igrejas demoraram a perceber a nova “revolução cultural”, com um déficit de estudo sobre a sexualidade, se sentem ameaçadas e acuadas e, ou, pelo liberalismo teológico, legitimaram o homossexualismo, para a ordenação dos seus ministros e a bênção de uniões. O que se iniciou na Europa e na América do Norte chegou ao Brasil, como sempre: “as aves que aqui gorjeiam, gorjeiam como lá”. Em 1998, votei com a maioria de mais de oitenta por cento, dos bispos anglicanos de todo o mundo, na Conferência de Lambeth, a Resolução 1.10, afirmando a sexualidade como um dom de Deus, a ser exercitada no matrimônio heterossexual monogâmico vitalício, reconhecendo vocações especiais para o celibato, e a existência de pessoas com tendências homoeróticas, a serem acolhidas e escutadas pastoralmente, sob o princípio de ser a sua prática contrária ao ensino das Sagradas Escrituras. Os Cânones da Diocese do Recife acolheram esses princípios, A Crise do Anglicanismo é, em muito, decorrente da rebelião da minoria contra essa Resolução. Em carta-aberta ao Senado, defendi a dignidade de toda pessoa humana, os direitos civis de todos os cidadãos, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e a posição contrária à criação de um ente familiar homoerótico e à criminalização dos heterossexuais que não aceitam a normalidade do homossexualismo (heterofobia). Tenho afirmado que todo discurso científico é uma descrição da natureza caída (depravação total), que a inclinação/tentação homoerótica é uma das manifestações da Queda, uma enfermidade espiritual, um desvio de conduta, um pecado, como tantos outros, que demanda, igualmente, arrependimento e novidade de vida. O sangue de Cristo lava todos os pecados, e o poder do Espírito Santo, pela igreja como comunidade terapêutica, ou pelos instrumentos científicos disponíveis, pode fazer nova todas as coisas, transformando à imagem do caráter de Jesus. Fui tachado de “retrógrado” e “homofóbico”. Seria discriminatório com os homossexuais se os tratasse de forma diferente dos demais pecadores. Não querem ser considerados pecadores, celebrando o “orgulho” da sua condição em “paradas” financiadas com o dinheiro do contribuinte, qualquer que seja o partido nas diversas esferas do poder estatal. Além do ensino e da pastoral interna, temos um mandato cultural, a necessidade de evangelizar a cultura, o dever de expor e propor os direitos e os deveres naturais, os valores do Reino e a busca do bem-comum na esfera pública, o exercício do profetismo, a pecaminosidade universal e a possibilidade universal de perdão, reconciliação, conversão e santificação. Devemos pregar nos templos, e nos espaços públicos (os “areópagos”), o que as Escrituras ensinam, e o consenso dos fiéis o entendeu por dois mil anos. Não podemos aceitar o veto do espírito do século, ou revisar conceitos (não preconceitos), “humanizar Deus”, buscando respeitabilidade, ou abandonar os ex-homossexuais. As “pororocas” da História passam. A Igreja permanece. O “evangélico” protestantismo, já não é tão amplamente “evangélico” assim. Além do fundamentalismo, o liberalismo é um desafio concreto.

Edward Robinson de Barros Cavalcanti (Recife, 21 de junho de 1944) é um teólogo, Cientista Político e bispo da Igreja Anglicana do Cone Sul da América, comandando a diocese de Recife. É professor universitário aposentado da UFPE e UFRPE e possui treze livros escritos sobre religião, entre os quais se destaca "Cristianismo e política - teoria bíblica e prática histórica", "A igreja, o país e o mundo - desafios a uma fé engajada" e "Anglicanismo - identidade, relevância, desafios". Em 1997 foi eleito bispo da diocese do Recife. Como bispo diocesano, ordenou 103 diáconos e 87 presbíteros.

Reduzir a maioridade penal é de fato a solução?

O texto abaixo pode ser extremamente escandaloso para algumas pessoas. Afinal, a redução da maioridade penal é um tema sensível e provoca um debate apaixonado. De ambos os lados são apresentados argumentos ora convincentes, ora questionáveis. Para mim, que trabalho como educador em um centro de ressocialização para menores em conflito com a lei, no CASE/FUNASE em Abreu e Lima, Pernambuco, esse debate faz toda a diferença. O artigo que se segue é o ponto de vista de quem defende a redução da maioridade e questiona qualquer medida que tem como objetivo estender alguma condescendência à criminalidade. Podemos não concordar com ele, mas numa democracia todas as opiniões devem ser ouvidas e analisadas.

SILVA, José Maria e. Um golpe etário na Constituição: Enquanto a nação clama pela redução da maioridade penal, uma espúria mudança na Constituição transformou jovens de 29 anos em crianças — agora, eles gozam das mesmas regalias dos menores de 18 anos. Disponível em: <http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/um-golpe-etario-na-constituicao>. Acesso em: 04 ago. 2011.

O Estatuto da Criança e do Adolescente acaba de completar 21 anos. A Lei 8.069, que o instituiu, foi sancionada pelo então presidente Fernando Collor em 13 de julho de 1990. Inspirado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, da ONU, o Estatuto é resultado de uma verdadeira “Cruzada das Crianças”, empreendida pelas universidades e a Pastoral do Menor da Igreja Católica, que, em 1985, criaram o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, conseguindo 1,4 milhão de assinaturas de crianças (mais 250 mil de adultos) para apresentar a emenda popular que resultou no artigo 227 da Constituição.
Adultos não deveriam usar crianças para fazer abaixo-assinado, mas foi com base nessa prática pouco ética que  o Estatuto da Criança e do Adolescente — o tal “ECA” — foi aprovado dois anos depois da Constituição de 88. Ele é o desdobramento do artigo 227 da Constituição, que diz: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Se esse artigo já era ruim, por exacerbar os direitos dos menores, agora se tornou pior. Ele foi alterado pela Emenda Constitucional 65, sancionada em 13 de julho do ano passado, na data em que o Estatuto completou 20 anos. A referida emenda constitucional (chamada, em fase de projeto, de “PEC da Juventude”) acrescentou a palavra “jovem” em todos os locais do artigo 227 onde antes apareciam apenas as palavras “criança” e “adolescente”. Com isso, todos os direitos que a Constituição já havia dado a crianças e adolescentes passam a valer também para os jovens, ou seja, para adultos — e com a mesma “absoluta prioridade”. Contrariando a vontade da população brasileira, deu-se um verdadeiro golpe na Constituição, criando-se uma espécie de “ECA dos Marmanjos” e retardando, na prática, a maioridade penal, que o povo gostaria de ver antecipada.

Descalabro constitucional

Como é praxe na ciclotímica Constituição de 88 (talvez a pior de toda a nossa história), tudo nela oscila entre a minúcia e a ambiguidade, ora no papel detalhista de decreto, ora na genérica utopia do manifesto. Descontada certa tolice, há muito de estratégia nisso. O objetivo é facilitar a manipulação da sociedade por parte dos grupos de interesse, que, assim, podem transformar mais facilmente a Constituição numa carta-programa de seus objetivos particulares e muitas vezes escusos. Com a Emenda Constitucional 65 não é diferente. Ao acrescentar o termo “jovem” ao artigo 227, ela não faz nenhuma referência a faixa etária, deixando essa questão estrategicamente em aberto para as ONGs de plantão.
Mas o próprio Plano Nacional de Juventude, projeto de lei elaborado por uma  comissão especial da Câmara dos Deputados, resultante de 33 audiências públicas, estabelece em 29 anos a idade-limite para definição de jovem. Isso significa que, com a aprovação da PEC da Juventude, a Constituição passou a determinar, no artigo 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e também aos jovens de 18 a 29 anos — “com absoluta prioridade” — todos os direitos antes garantidos apenas aos menores de idade. E esses direitos — que agora devem ser lidos tendo-se sempre em mente adultos de até 29 anos — são, repita-se, “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, além da nossa obrigação de colocar esses marmanjos “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Como se vê, a emenda que permitiu esse descalabro constitucional é uma lei insana. Ela ajuda a fazer da Constituição um aterro sanitário das ONGs. Hoje, toda reivindicação estapafúrdia dos grupos de interesse é transformada facilmente em mandamento constitucional, à revelia da sociedade. A “prioridade absoluta” dada a adultos de 18 a 29 anos é uma delas. Que não se pergunte aos congressistas — serviçais de acadêmicos ongueiros — como é possível conciliar a “prioridade absoluta” dada ao jovem de 29 anos com a mesma prioridade que se deve dar a uma criança de colo. Em muitos casos, esse adulto é o pai da própria criança com quem passou a dividir a tal “absoluta prioridade” no gozo de todos os direitos imagináveis. Portanto, só restará aos pais desse jovem adulto convertido em incapaz cuidar dele próprio e também do neto — com a ajuda compulsória de todos nós, pois a isso também nos obriga a  Constituição.

Escravos de meia-idade

Antes mesmo de aprovada a Emenda Constitucional 65, resultado da PEC da Juventude, o governo federal já vinha criando benesses indevidas para os jovens de 18 a 29 anos. Já em 2004, no seu segundo ano de governo, o então presidente Lula da Silva criou um órgão interministerial para coordenar ações públicas voltadas para a juventude. No ano seguinte, foi aprovado no Congresso Nacional o Conselho Nacional de Juventude, regulamentado por decreto presidencial, que reúne uma profusão de ongueiros, todos ligados à esquerda. Eles imaginam falar em nome da população brasileira, quando, na verdade, apenas defendem direitos e mais direitos para si, penalizando os pagadores de impostos de meia-idade que, feito escravos, carregam o Brasil nas costas. Foi daí que surgiu a Conferência Nacional da Juventude e, com ela, a aprovação da Emenda Constitucional 65.
Mas essa entronização da juventude como centro gravitacional do País só foi possível porque os jovens ongueiros contam com o respaldo das pesquisas supostamente científicas das universidades. Foram os acadêmicos que criaram e fomentaram a tese de que faltam políticas públicas para a juventude, como se o Brasil não girasse em torno dos jovens. Exemplo disso é o propalado desemprego entre os jovens, motivo de grande preocupação de todos os governos. Ele é uma ficção conceitual dos acadêmicos, que nasce de uma aberração metodológica do próprio IBGE, cujas pesquisas de emprego jogam os adultos num difuso caldeirão etário que vai dos 25 aos 49 anos, enquanto a empregabilidade dos jovens é absurdamente analisada com lupa em três meticulosas faixas etárias (10 a 14, 15 a 17 e 18 a 24 anos).
Só pesquisas sobre sexualidade ou educação deveriam ser tão meticulosas na análise da vida de adolescentes e jovens, uma vez que mudanças substanciais nessas duas áreas ocorrem justamente nessa fase. Já no caso do emprego é o contrário. Justamente naqueles 25 anos que o IBGE se recusa a analisar com seriedade — e que equivalem a toda a vida do jovem com quem ele tanto se preocupa — é que ocorrem as principais mudanças econômicas e sociais na existência de uma pessoa. É nesse quarto de século que vai dos 25 aos 49 anos que se dão mudanças dramáticas na vida do indivíduo, intrinsecamente ligadas à questão do emprego, como casamento, filhos, aluguel, casa própria, divórcio e doenças na família, sem contar o próprio desemprego, que, nessa fase da vida, é obviamente muito mais trágico do que na adolescência.

O perigo da democracia direta

A distorcida mentalidade acadêmica sobre os jovens no Brasil é bem antiga (remonta aos anos 60) e foi ela que tornou possível a realização da Conferência Nacional da Juventude, convocada pelo presidente Lula em setembro de 2007. Normalmente encarado pela imprensa como mera tertúlia, esse tipo de evento acarreta sérias implicações legais na vida de todas as pessoas. Como a participação popular na gestão pública é um mandamento da Constituição de 88 (que traz dentro de si fortes mecanismos da famigerada “democracia direta”), as cerca de 70 conferências nacionais já realizadas pelo governo petista sobre diversos assuntos acabam exercendo uma forte pressão sobre o Congresso Nacional no sentido de que ele referende suas propostas.
Foi o que ocorreu com a Conferência Nacional da Juventude (que resultou na aprovação da malfadada Emenda Constitucional 65) e quase ia ocorrendo também com a Conferência Nacional de Comunicação. Esta só não vingou porque os donos dos veículos de comunicação se interessaram pelo assunto e não deixaram que ele ficasse nas mãos de repórteres inexperientes. Como não passam de ajuntamento dos profissionais de passeata, essas conferências só sabem esgoelar direitos — a palavra “dever” não existe em seu dicionário. A Conferência Nacional da Juventude, por exemplo, apresentou um conjunto de reivindicações absurdas, que, se postas em prática, escravizaria todo o resto da população brasileira. Mesmo se os adultos mourejassem de sol a sol, não conseguiriam atender os desejos juvenis de marmanjos que, pelo simples fato de se intitularem “jovens”, pensam que a sociedade, via Estado, lhes deve todas as benesses.
A primeira Conferência Nacional de Juventude (já tem outra programada para dezembro próximo) intrometeu-se até na questão da terra. Ela reivindica que, na política de reforma agrária, seja dada prioridade aos jovens de 16 a 32 anos, independente de seu estado civil. Ou seja, para essa gente, jovens sem filhos, pelo simples fato de serem jovens, devem ter prioridade na repartição da terra, expropriando os pais de família da preferência que teriam em qualquer programa sério de reforma agrária. Convém observar que, nesse caso, a data-limite para definir quem é jovem muda de 29 para 32 anos — uma estratégica ambiguidade que se faz presente em todos os estudos acadêmicos sobre juventude realizados no País e que servem de alicerce para os dispositivos legais que tratam do tema. (Em outro artigo, pretendo analisar essa ambiguidade, que também esconde questões graves.

O “ECA dos Marmanjos”

Talvez seja difícil para a maioria das pessoas perceber a gravidade do que estou denunciando aqui. Lido às pressas, o artigo 227 da Constituição — mesmo alterado pela palavra “jovem” — parece inofensivo. No entanto, ele terá efeitos extremamente danosos para a sociedade brasileira nos próximos anos, especialmente na área de segurança pública. A partir do momento que uma determinada tese se incorpora à Constituição, ela vira um mandamento legal para todos nós e passa a servir como carta-programa das ONGs, universidades e outros grupos de interesse. A partir daí, esses segmentos ganham legitimidade para ocupar espaço na imprensa exigindo que o Estado cumpra o que está escrito na Constituição (no caso, o artigo 227). E passam a contar com o apoio compulsório dos operadores do direito (policiais, advogados, promotores e juízes), que não podem escapar do comando constitucional.
Mas nem mesmo a Constituição de um país é capaz de transformar uma ficção em realidade. Dizer que jovens de 18 a 29 anos devem ter “absoluta prioridade” em tudo é, obviamente, um absurdo, passível de pôr em camisa de força os autores dessa tese que virou lei. Nessa idade, uma pessoa séria já está empenhada em ajudar os pais e não em explorá-los. Para os jovens decentes, que são a maioria, o novo mandamento constitucional não vai significar nada, pois eles jamais iriam exigir de seus pais que lhes dessem “absoluta prioridade” em tudo, como se fossem criancinhas de berço. Pelo contrário, o que um jovem ajuizado almeja é ser autônomo, capaz de gerir a própria vida, sem acarretar problemas para seus pais e a sociedade. Muitos até se orgulham quando podem ajudá-los.
Para quem então foi aprovado esse “ECA dos Marmanjos”, que trata como incapazes maiores de 18 a 29 anos? Sem dúvida, para os infratores. Toda a recente legislação brasileira tem esse objetivo, consciente ou inconsciente: transformar esta nação numa República de Bandidos. E está conseguindo isso, se já não conseguiu. É óbvio que todos os jovens criminosos, drogados e vadios, que, mesmo adultos, não se importam em dar trabalho para os pais, irão valer-se do artigo 227 da Constituição para impor seus direitos recém-adquiridos. E contarão com o apoio de autoridades e instituições do próprio Estado, pois elas serão obrigadas — repito: obrigadas — a cumprir o que manda a Constituição, garantindo a esses jovens as espúrias regalias previstas no malfadado artigo 227, que já era eticamente ruim e, agora, virou um lixo moral.

Disneylândias estatais do crime

Uma prova incontestável de que o “Eca dos Marmanjos” só vai servir para proteger infratores adultos fica evidente na disposição do governo federal em criar o que ele chama de “presídios para jovens”, também chamados de “presídios temáticos”. Antes mesmo da aprovação da Emenda Constitucional 65, o Ministério da Justiça anunciou a construção de sete presídios para jovens adultos de 18 a 24 anos — de um total de 93 — a serem implantados nos Estados de Alagoas, Bahia, Piauí, Pará, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Segundo reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 28 de novembro de 2008, “o único critério a ser respeitado para encaminhamento de condenados a esses presídios será a faixa etária, não havendo nenhum tipo de restrição relativo ao tipo de crime praticado”.
Como as universidades não se cansam de choramingar que “os nossos jovens estão morrendo vítimas da violência”, ao mesmo tempo em que lamentam o fato de mais de 60% dos presos terem entre 18 e 24 anos, o governo federal resolveu intervir na questão. A construção de presídios especiais para os criminosos dessa faixa etária parte do pressuposto de que eles seriam desencaminhados pelos presos mais velhos, tornando-se irrecuperáveis. Ora, é justamente nessa faixa etária que se concentram os bandidos mais bárbaros, no auge da temeridade e da força física necessárias para a prática de crimes hediondos. Esses jovens nada têm a aprender de ruim com bandidos mais velhos. Pelo contrário, tendem até a intimidá-los.
Para se ter uma ideia de como o Estado brasileiro brinca com coisas graves, um dos presídios temáticos para jovens de 18 a 24 anos, que deverá ser construído em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, além de contar com mais recursos educativos do que as próprias escolas públicas, terá também programas federais como o “Pintando a Liberdade” e o “Pintando a Cidadania”. Quando esses presídios ficarem prontos, nossos cineastas poderão explorar essas férteis Disneylândias do Crime, produzindo filmes como “Degolou a Mãe e Pintou o Sete”. Com um detalhe: como o governo federal, mais dia menos dia, será obrigado a cumprir o artigo  227 da Constituição, os novos presídios temáticos também terão de ser destinados a jovens de 25 a 29 anos.

Intoxicados por Michel Foucault

A obsessão do Estado brasileiro em tratar até jovens adultos como crianças é frontalmente contrária à vontade da população — o que significa que vivemos sob a ditadura das ONGs. Todas as pesquisas já realizadas no pais sobre maioridade penal mostram que mais de 80% da população brasileira quer vê-la reduzida e reprova o artigo 228 da Constituição, que estabelece como penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Essa percepção da sociedade foi intensificada com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que criou uma série de medidas de proteção para o menor infrator. Ao contrário do que dizem seus defensores, ele passa, sim, a mão na cabeça dos criminosos mirins e contribui para o aumento da delinquência juvenil. As universidades só não descobriram isso porque foram intoxicadas por Michel Foucault e veem o mundo ao contrário.
Uma pesquisa sobre violência realizada em 2007 pelo Data-Senado (instituto de pesquisa do Senado Federal) mostrou que 87% dos brasileiros querem a redução da maioridade penal. Para a maioria da população, o que importa não é a idade do criminoso, mas a gravidade do delito. Tanto que 36% defenderam a maioridade penal aos 16 anos; 29% aos 14 anos; 21% aos 12 anos e 14% em qualquer idade — contrariando frontalmente a legislação brasileira que trata os menores de 18 anos como crianças. Por conta disso é que, no Congresso Nacional, tramitam cerca de 50 projetos tratando da maioridade penal, mas nenhum deles é aprovado nem o assunto é posto em plebiscito. Só se pensa em consultar o povo quando as elites intelectuais acham que ele vai referendar o que elas já decidiram nos gabinetes e barzinhos.
O próprio Data-Senado desrespeita a vontade popular ao tratar da maioridade penal no relatório de sua pesquisa. Os autores do trabalho optaram por um sofisma no título desse tópico: “A falta de consenso sobre a maioridade penal”. Ora, onde está a falta de consenso, se 87% dos entrevistados querem a redução da maioridade? Todos os que optaram por 16 anos, 14 anos, 12 anos ou qualquer idade não querem os 18 anos de hoje — isso é consenso. Quando o instituto de pesquisa do próprio Senado diz que não há consenso sobre o tema, o que ele quer é induzir as pessoas a acharem que a maioria da população está em dúvida se a maioridade penal deve ou não ser reduzida. Pelo visto, se o Data-Senado fizesse uma pesquisa para saber se o brasileiro gosta mesmo de futebol, ele iria conclui que há “falta de consenso sobre o gosto do brasileiro por futebol”, pois a maioria dos entrevistados iria se dividir na torcida pelos mais variados times.

A barbárie de menores e jovens

Ao contrário do que os intelectuais universitários afirmam, a defesa que o povo faz da redução da maioridade penal não se deve à ignorância, mas aos fatos. Apenas neste ano, já ocorreram vários crimes bárbaros envolvendo menores. Em janeiro, na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, um menor de 14 anos matou a irmã e feriu o pai a facadas. Em fevereiro, em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, um menor de 16 anos matou o pai a machadadas e feriu gravemente a própria mãe. Em março, em Hortolândia, em São Paulo, um adolescente de 15 anos matou a facadas o primo de apenas 7 anos e esfaqueou no rosto a irmã de 17. Em Tarauacá, no Acre, foi preso, em junho último, um menor de 17 anos que matou o próprio irmão a golpes de machado (porque ele lhe negara um pedaço de fumo) e obrigou sua própria mãe a enterrar o corpo do filho no terreiro de casa. E, para acobertar o crime, o menor também matou o padrasto a golpes de facão.
Todos esses criminosos menores, apesar da fúria monstruosa com que perpetraram seus crimes, ficam apenas três anos internados, às vezes nem isso. E saem com a ficha limpa, como se jamais tivessem cometido crime. Agora, essas regalias de que desfrutam tendem a ser estendidas também para os jovens adultos de 18 a 29 anos. O jovem de 20 anos que, no final de junho, em Aparecida de Goiânia, juntamente com um menor, violentou e matou um menino de apenas 4 anos, enganando-o com a promessa de uma pipa, em breve poderá desfrutar das prisões especiais que o Ministério da Justiça está construindo para jovens adultos de 18 a 24 anos. Assim como ele, também poderá ser beneficiado por esse parque-escola penal o jovem de 19 anos que, em março, na cidade de São Paulo, matou sua namorada de 16 anos, grávida de nove meses, com 42 facadas. O bebê também morreu, estraçalhado.
Por que estou seguro de que os benefícios dados aos menores de 18 anos acabarão sendo estendidos aos jovens adultos de 18 a 29 anos, numa espécie de revogação branca, não oficial, da maioridade penal vigente? Porque isso já está ocorrendo em sentido inverso. Todas as vezes em que vocês ouvirem um defensor do Estatuto da Criança e do Adolescente dizendo que essa lei é até mais rigorosa do que o Código Penal dos adultos, desconfiem. Ele está mentindo. Hoje, mesmo com a pena máxima para um menor infrator sendo de apenas três anos de internação, por pior que tenha sido o seu crime, muitos menores são soltos antes mesmo de cumprirem esse tempo, pois, absurdamente, se lhes concede, por analogia, a progressão de pena destinada aos adultos.

Unanimidade em prol do crime

No Brasil, não existe nenhum limite penal para a crueldade humana. Qualquer criminoso, mesmo quando mata a mãe, tende a ter o seu perdão antecipado pela Justiça brasileira, que acredita piamente na recuperação de qualquer monstruosidade humana. É o caso do menor M.A. que esganou e degolou a própria mãe, jogando o cadáver num poço. O crime foi cometido na comarca de Cuiabá, no Mato Grosso, e o menor começou a cumprir a medida socioeducativa de internação em 21 de abril de 2006. No início de 2009, antes mesmo de se completarem os três anos de internação, o menor foi solto. Por determinação do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, ele foi posto em liberdade assistida, aos cuidados de um tio.
E se não fosse a sensatez da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, o menor que degolou a mãe teria sido libertado muito antes. Tão logo ele completou metade do tempo de internação, isto é, apenas 18 meses, a sua defesa — com o apoio da assistente social e da psicóloga que acompanhavam o caso, além da anuência do Ministério Público — entrou com habeas corpus solicitando que ele fosse beneficiado com a liberdade assistida. Felizmente, o Tribunal de Justiça mato-grossense negou o pedido, observando que, em face da gravidade do delito, libertar o menor com apenas um ano e meio de cumprimento da medida de três anos iria “causar perplexidade no meio social”, além de impedi-lo de ter mais tempo para refletir sobre seu ato. Todavia, a causa do menor foi comprada pela própria Defensoria Pública da União, que acabou conseguindo sua liberdade assistida junto ao Supremo. 
Se um menor que degola a própria mãe não encontra ninguém para acusá-lo diante da Justiça, e promotores, psicólogos e a assistentes sociais se juntam à sua defesa na tentativa de soltá-lo, é mais do que óbvio que essa quase unanimidade em prol do criminoso irá se repetir no caso de jovens adultos de 18 a 29 anos envolvidos em crime. Uma vez que a própria Constituição resolveu considerá-los detentores de direitos especiais e absolutos, é apenas questão de tempo termos um sistema penal ainda mais leniente com o criminoso adulto, bastando que ele tenha menos de 29 anos de idade e seja esse novo “incapaz” criado na Constituição — o que, sem dúvida, irá aumentar a indústria da impunidade, a que mais cresce no País.