sábado, 7 de abril de 2012

A páscoa judaica e seus significados para a fé cristã

Por Luciano Borges de Santana

Em todos os anos a mesma história se repete: são inúmeras encenações teatrais sobre os sofrimentos e a morte de Jesus, milhares de ovos de chocolate sendo vendidos nas lojas do ramo, diversas propagandas e publicidades associando os famosos "coelhinhos da páscoa" a tudo o que é de positivo e um inesperado e questionável espírito de reflexão que atinge muitas pessoas. A páscoa não é uma festa conhecida apenas pelos cristãos, mas também é comemorada pelos judeus, dentro de um aspecto muito mais histórico do que messiânico. E, lamentavelmente, são inúmeros os professos cristãos que desconhecem a origem da páscoa como uma festa judaica, seus significados cumpridos em Cristo, as exigências de Deus como uma resposta a essa graça proporcionada pela Divindade e os desdobramentos espirituais e práticos desses aspectos na vida daqueles que servem a Deus.
Conhecer biblicamente a festa da páscoa é algo importante para todas as pessoas, sobretudo, para as crianças, adolescentes e jovens, bombardeados constantemente por uma publicidade secular, na maioria absoluta dos casos, sem qualquer fundamento bíblico.

1 – O contexto histórico da instituição da páscoa no Antigo Testamento (Ex. 12).

A institucionalização da festa pascal começa no Egito Antigo, quando já haviam passado mais de 400 anos de escravidão dos hebreus na terra dos faraós. Deus levanta Moisés para libertar o seu povo e como seriedade de sua mensagem derrama as 10 pragas sobre os egípcios e seus deuses (Ex. 7-12).
A décima praga atingiu a todos os primogênitos no Egito, poupando apenas os primogênitos dos israelitas, que cumpriram cabalmente a determinação do Senhor (Ex. 11.1,4-7; 12.29-30). É justamente aqui onde se encontra o sentido da páscoa para os israelitas. Ao matar o cordeiro e alimentar-se de sua carne assada no fogo, tomar do seu sangue e aspergi-lo nas ombreiras e nas vergas das portas, estariam evitando a entrada do anjo destruidor que lançaria a praga sobre as famílias egípcias. A palavra “páscoa”, vem de pesach, que significa “passar por cima”. “pular além da marca”, “poupar”, indicando que naquele momento os primogênitos israelitas, pelo sangue do cordeiro, foram poupados da ira de Deus (Ex. 12.3-7,12-13). Havia ainda outros elementos contidos na festa pascal. Os israelitas deveriam comer o cordeiro juntamente com ervas amargas, pães asmos (nas casas não poderia ser encontrado fermento) e preparados para viajar (Ex. 12.8-11).
O cordeiro era separado no dia 10 do mês de abibe (primeiro mês) e no dia 14 do mesmo mês, à tarde, era sacrificado. No dia seguinte, começava a festa dos pães asmos, que durava uma semana; é muito comum nas Escrituras, aparecerem a páscoa e a festa dos pães asmos associadas, dando a entender uma única festa (Ex. 12.17-20). A páscoa era comemorada no dia 14 e a festa dos pães asmos iniciava no dia 15 e durava até o dia 21.

2 – A Páscoa na história israelita.

A partir daquele dia o povo de Deus passou a observar a páscoa de forma contínua (Ex. 12.14). A comemoração passou a ser a lembrança do amargo cativeiro e a forma milagrosa de como Deus redimiu o seu povo. Ao conquistarem Canaã os israelitas passaram a comemorar a festa da páscoa no templo (Dt. 16.1-6; II Rs. 23.21-22; Ed. 6.19-22). No Novo Testamento os judeus também comemoravam a páscoa da mesma maneira e o próprio Senhor Jesus, nascido sob a lei, também a comemorou (Lc. 2.41-42). A última refeição do Senhor com os discípulos, pouco antes da cruz foi por ocasião da páscoa (Lc. 22.1,7,14-16).

3 – A Páscoa como tipologia do sacrifício do Senhor Jesus Cristo e alguns elementos da vida cristã (Cl. 2.16.17; Hb. 10.1).

Quando Deus escolheu os israelitas estava ressaltando a sua soberania e o favor não merecido de sua graça por toda a humanidade (Dt. 7.7-8). Esse aspecto presente na festa da páscoa na Antiga Aliança, se processa também no Novo Testamento e na relação entre Deus e os homens perdidos (Ef. 2.8-10; Tt. 3.4-6). O derramamento do sangue do cordeiro como um meio de cobertura e livramento tipifica o sangue do Cordeiro de Deus derramado em favor de todas as pessoas (Hb. 9.22; I Pe. 1.18-20). O cordeiro pascal era um sacrifício a ser oferecido em favor de um primogênito. Da mesma maneira, mas numa escala infinitamente maior, Cristo morreu em substituição a todos os homens (Rm. 3.24-26; II Co. 5.14-15). Por sua vez, o cordeiro pascal não poderia ter defeito algum, o que figuradamente apontava para a pureza da pessoa e do sacrifício de Jesus (Jo. 8.46; II Co. 5.21; Hb. 4.15).
Apesar da grandeza de toda essa simbologia, é preciso deixar claro que a obrigação de uma celebração pascal não recai sobre os cristãos, visto que Cristo, por ser a nossa páscoa, cumpriu todo o simbolismo que esta estava revestida. Todavia no lugar da Páscoa, Cristo instituiu a Santa Ceia, onde comemoramos a sua morte, identificando-nos com Ele (I Co. 11.26). Em Cristo a Antiga Aliança é abolida e a humanidade é introduzida pela fé numa melhor esperança (Hb. 8.6-7,13).
A festa pascal era também um ato de fé e foi mediante essa fé que a obediência foi gerada, através da qual os israelitas conquistaram o grande livramento (Hb. 11.28). Da mesma forma, reconhecer a Jesus como um ato de fé, implica indiscutivelmente obedecê-lo (Rm. 1.5;16.26). Haviam outros elementos na Páscoa do Antigo Testamento que trazem profundos significados relacionados à morte de Cristo e à vida do cristão. As ervas amargas simbolizam todo o sofrimento de Cristo, desde sua prisão até o Calvário. A ausência de fermento indica a pureza da santidade cristã em comparação com o mundo perdido ao nosso redor (Mt. 16.6,11-12; I Co. 5.6-8).
É importante lembrar que a santa ceia não é a páscoa em si, mas devido a sua instituição pelo Senhor, ela pode ser em certo sentido a “páscoa” do cristão. Da mesma forma que o israelita na páscoa, refletia sobre o grande livramento do anjo destruidor e da escravidão no Egito, o cristão na santa ceia faz uma reflexão sobre a sua vida antes de se converter e comemora a morte de seu Salvador (Cl. 1.13). Por último, havia um aspecto didático na festa pascal, pois as crianças precisavam ser ensinadas sobre a mesma e a sua finalidade (Ex. 12.24-27). Da mesma forma, nossas crianças precisam ser introduzidas desde cedo nos ensinos rudimentares da doutrina cristã. Nesse caso, a páscoa pode ser utilizada como um subsídio à doutrina da graça de Deus e a uma explicação detalhada sobre o significado da santa ceia.

3 – A falsa páscoa

Assim como aconteceu com todas as demais doutrinas e ensinamentos cristãos, a páscoa e toda a simbologia que ela encerra foram alvos da corrupção teológica que atingiu a igreja cristã. Atualmente ela acabou se tornando um evento no calendário ocidental desprovido da grandeza de seu aspecto messiânico, sobretudo, para aqueles que afirmam ser cristãos, mas pouco ou raramente se envolvem com os aspectos espirituais presentes na tipologia pascal. Essas pessoas são facilmente influenciadas a atribuir a rica simbologia pascal a situações sem nenhuma base bíblica (I Tm. 4.1-2).
Ainda há outra questão a ser discutida: se a Bíblia afirma que Cristo é a nossa páscoa, como se explica a existência de toda uma confusão de símbolos e atividades na Semana Santa que não se encontram na Bíblia? Como podemos provar para as nossas crianças que ovos de chocolate, coelhos e uma série de símbolos místicos não estão relacionados com a verdadeira páscoa?
Antes de mais nada é preciso salientar que mesmo antes da Igreja Cristã ter sido estabelecida pelo Senhor Jesus Cristo, nos mais variados povos do mundo antigo, havia festas dedicadas a várias divindades, muitas delas associadas às mudanças de estações do ano, colheitas, transbordamentos dos rios, etc. O ovo era considerado por esses povos como o início, a origem de tudo, a fertilidade, sendo reverenciado por ocasião da primavera. O costume chegou à Europa e a Igreja Romana, percebendo a dificuldade que tinha em acabar com essa prática, acabou cristianizando o costume e o ovo passou a ser considerado símbolo da ressurreição de Cristo. O costume de se pintar os ovos, segundo alguns pesquisadores, veio da China e posteriormente os ovos de galinha passaram a ser de chocolates, atingindo por volta de 1928 uma larga produção industrial devido à ascensão da produção do cacau. Pode-se citar ainda como um exemplo de prática de origem pagã, as representações que comumente se fazem dos coelhos como símbolo da Páscoa. Os povos pagãos do mundo antigo viam os coelhos como símbolo da fertilidade. A Igreja Romana acabou reconhecendo tanto os ovos quanto os coelhos como símbolos da Páscoa.
Atualmente o apelo comercial, tem levado inúmeras pessoas a acreditarem na Páscoa como uma festa meramente ligada a "comes e bebes". Nada se sabe sobre a páscoa e o seu significado cumprido em Cristo. Para piorar a situação, existem grupos que dramatizam a semana da paixão como uma mera peça teatral, desprovida de seus significados espirituais mais profundos e da inerente necessidade que todos os homens possuem de receberem a Cristo como Salvador através de uma decisão pessoal e sincera. A conversão espiritual desloca os raros momentos de reflexão que as pessoas possuem na Semana Santa para algo permanente, que extrapola os limites desse período, levando os indivíduos a desenvolverem uma vida unicamente de acordo com os princípios da Palavra de Deus.
   Esses princípios quando não são observados nessas encenações, reduzem o sacrifício de Cristo a um mero espetáculo público sem a transformação das pessoas ou qualquer estímulo que as leve a um compromisso mais sério com Deus. Será que dramatizações da morte de Jesus por meio de indivíduos sem serem genuínos cristãos ou sem nenhuma comunhão com o Criador podem tornar os espectadores em pessoas mais santas, amáveis, espirituais ou conhecedoras e praticantes da Palavra de Deus? É algo que precisamos seriamente questionar. 

Sugestões de leitura:

ALMEIDA, Abraão de. Lições da história que não podemos esquecer. Deerfield Beach: Vida, 1993. 278 p.