sábado, 22 de setembro de 2012

A origem da festa de Cosme e Damião

     Por Luciano Borges de Santana

Não são raros os casos onde os evangélicos de forma geral, se recusam a participar ou comemorar festas que no calendário ocidental são relembradas por muitos brasileiros. Essa recusa provoca nas pessoa alguns questionamentos, pois se determinadas festas possuem uma suposta base de "fé cristã" por que os cristãos evangélicos também não participam delas?
Não é fácil esclarecer essas pessoas sobre a posição adotada pelos evangélicos, visto que a grande maioria delas sequer conhece a história do cristianismo e/ou como tantas festas que nunca aparecem no Novo Testamento, surgiram séculos depois e passaram a ser comemoradas pela igreja.
Esse breve estudo se propõe a analisar a origem da festa de Cosme e Damião, sua chegada ao Brasil, a incorporação da festa e dos santos pelas religiões afro-brasileiras e apresentar à sociedade uma defesa da fé evangélica e justificar a sua não-comemoração pelos evangélicos brasileiros.

1. Quem foram Cosme e Damião?

Grande parte do que hoje se sabe sobre os santos Cosme e Damião são relatos muitas vezes contraditórios, em que se torna difícil separar o que é fato e o que não passa de lendas. De acordo com alguns pesquisadores, Cosme e Damião foram dois irmãos gêmeos que nasceram na Arábia no século III d.C. (a data exata do nascimento é incerta). Filhos de pais nobres dedicaram-se a estudar medicina na Síria e logo depois passaram a praticá-la na Egéia. Foi por essa ocasião, que chegaram a ter contato com a fé cristã, vindo a se converterem tempos depois em circunstancias até hoje desconhecidas.
A conversão a fé cristã produziu em ambos os gêmeos um amor pelos pecadores e um desejo de oferecer a eles a medicina sem a cobrança pelos serviços prestados. Os irmãos ficaram conhecidos como "anárgiros", ou seja, pessoas que não são "compradas por dinheiro". Segundo alguns relatos, os gêmeos chegaram a construir um hospital onde ao mesmo tempo que atendiam os pacientes pregavam as boas novas do evangelho de Cristo. Outros relatos afirmam que para distrair as crianças que se recusavam a tomar os remédios a base de ervas amargas, os irmãos distribuíam doces como uma forma de amenizar o gosto dos medicamentos. Com o exercício da medicina e a pregação do evangelho muitas pessoas foram alcançadas pela Palavra de Deus e se convertiam a Cristo abandonando os cultos das religiões pagãs. E por não cultuarem os deuses pagãos, os gêmeos começaram a sofrer uma violenta oposição das autoridades do Império Romano, que em localidades diferentes, perseguia outros cristãos.
Há muitas versões e lendas para as mortes de Cosme e Damião. Em alguns relatos teriam sido amarrados e jogados de um despenhadeiro sob a acusação de feitiçaria; em outros, sobram tentativas de afogamento, queimaduras e apedrejamento, onde os irmãos eram salvos por anjos ou algum outro milagre. A versão mais aceita defende que os gêmeos após terríveis torturas, foram decapitados em meio a perseguição motivada pelo imperador Diocleciano em 283 ou 303, na Egéia. Seus restos mortais teriam sido levados para a cidade de Ciro, na Síria e lançados em uma igreja a eles consagrada. Parte dos restos mortais foram levados no século VI para Roma, onde outra igreja fora dedicada a eles. Outra parte dos restos mortais foram também levados para uma igreja em Munique, na Alemanha. Por volta de 530, o imperador Justiniano gravemente ferido, mandou construir em Constantinopla uma igreja dedicada a memória desses mártires.
O dia exato da morte dos irmãos Cosme e Damião é motivo de muita controvérsia e duas datas diferentes são geralmente apresentadas: 26 ou 27 de setembro. De acordo com alguns relatos, os irmãos foram decapitados no dia 26, levando um grupo de pessoas a sepultá-los no dia seguinte (27). Conta-se que na ocasião, muitos doces foram colocados no túmulo de ambos os gêmeos, como uma forma de homenageá-los. A igreja católica dessa forma reconheceria o dia da morte, mas não o dia do sepultamento. Já outro relato afirma que a igreja católica sempre comemorou a morte dos irmãos no dia 27 até 1969, quando ocorreu uma reforma no calendário romano, que deslocou a data para o dia 26, por que no dia 27 também se comemora o dia de São Vicente de Paulo. Católicos mais tradicionais e seguidores da Umbanda e do Candomblé, mantiveram a data historicamente praticada e, pelo menos no Brasil, a festa dedicada a esses santos é realizada em 27/09. Outros ainda acreditam que a tradição popular prefere o dia 27, porque foi nesse dia que o papa Félix IV inaugurou em 500, a igreja dedicada a esses irmãos em Roma.

2. Por que a igreja passou a cultuar os irmãos Cosme e Damião?

A igreja foi fundada sob o sangue da nova aliança derramado por Jesus e edificada sobre o firme fundamento dos apóstolos e dos profetas (At. 20.28; Ef. 1.7; 2.13; Cl. 1.20; Hb. 9.12; 12.24; Ef. 2.20; Ap. 21.14). Qualquer pessoa que se propuser a analisar a igreja do Novo Testamento ficará admirada ao descobrir como os cristãos corromperam a simplicidade da fé em Cristo e séculos depois evoluíram para os princípios doutrinários adotados na igreja católica romana.
Na verdade não é fácil determinar o início da entrada de heresias e falsos ensinos na história da igreja. Os apóstolos já enfrentavam esse problema e procuraram orientar os convertidos sobre o aparecimento de doutrinas antibíblicas. Logo após a morte dos apóstolos, uma geração de apologistas e líderes cristãos conduziram o rebanho em meio às adversidades políticas, religiosas, filosóficas e culturais do Império Romano. Lentamente alguns líderes cristãos começaram a adaptar a estrutura hierárquica do Império Romano e a fundir elementos da teologia bíblica com a mitologia e as crenças populares dos povos não alcançados pelo evangelho. Muitas pessoas se convertiam, mas não abandonavam totalmente suas convicções religiosas e, dentro da igreja elas acabaram criando uma série de práticas sem fundamento bíblico, levando os historiadores até hoje a uma grande questão: o cristianismo foi paganizado pela igreja ou a igreja cristianizou o paganismo?
No rastro dessas inovações e influenciada pelo mundo pagão, a igreja começou a transformar os mártires da fé cristã em intermediários entre Deus e os homens; ao elaborar festas específicas a esses mártires, rapidamente os fiéis passaram a adorá-los como se fossem os deuses e entidades do antigo panteão romano. Na mitologia grega já existia uma lenda envolvendo os dois filhos gêmeos de Zeus, Castor e Pólux, levando alguns estudiosos a concluir que a adoração dedicada a Cosme e Damião tenha sido fortemente influenciada por este mito. Venerados como padroeiros dos médicos, gêmeos e farmacêuticos, passaram a ser invocados como protetores das crianças e, desde o século V, algumas igrejas ofereciam um óleo como o nome dos irmãos, onde se acreditava que possuía poderes para curar doenças e dar filhos às mulheres estéreis.
O culto aos santos Cosme e Damião espalhou-se pela Europa e desembarcou no Brasil trazido pelos portugueses que iniciaram a colonização no século XVI. Em 1530, uma das mais antigas igrejas católicas do país foi dedicada a esses santos no município de Igarassu, na região metropolitana do Recife. Mas, no Brasil o culto a esses santos ganhou uma roupagem diferente, sobretudo, porque ambos os santos, foram incorporados pelas religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e o Candomblé.

3. As relações entre a festa de Cosme e Damião e as religiões afro-brasileiras

Nas comunidades africanas da nação iorubá são bastante populares os cultos aos chamados orixás-crianças (ibejis[1]). Segundo os mitos iorubás os ibejis seriam filhos de Iemanjá (a rainha das águas) e Oxalá (o criador). Já outras tradições atribuem a paternidade dos ibejis a Xangô (o senhor dos raios). E há tradições que atribuem a Iansã (orixá feminino dos ventos, tempestades e paixões) a origem dos ibejis; estes porém, foram abandonados por Iansã e criados por Oxum (orixá feminino dos rios, riquezas materiais, bebês e recém-nascidos) como se fossem seus próprios filhos.
Ao serem trazidos como escravos para o Brasil, os africanos eram batizados, recebiam um novo nome e eram orientados a esquecerem suas tradições e a abraçar os preceitos do catolicismo. Muitos escravos como uma forma de manter a unidade do grupo ou mesmo resistir a escravidão, passaram a adorar as personalidades bíblicas e os santos da igreja católica, mas associando-os com seus orixás e outras entidades religiosas. Os ibejis passaram a ser reverenciados nas figuras de Cosme e Damião. Proibidos de praticarem suas crenças, os africanos fundiram suas tradições com o catolicismo em um processo conhecido como sincretismo cultural.
Com o processo de fusão e logo depois a sedimentação do sincretismo, adeptos das religiões afro-brasileiras e do catolicismo passaram a celebrar a data, geralmente cada grupo reverenciando os elementos de sua religião ou membros das duas crenças celebrando a festa como a uma só personalidade. A festa tornou-se popular em todo o Brasil, mas é na Bahia que se encontram as tradições mais diversificadas.
Antes da aproximação da festa templos religiosos são enfeitados com bandeirolas e desenhos, terreiros de umbanda e barracões de candomblé também se preparam para a celebração; em Salvador (BA) é muito comum crianças e populares saírem às ruas solicitando esmolas e ajuda para a produção de caruru, vatapá, doces e pipocas. No dia da festa os pratos produzidos e as guloseimas são oferecidos pelos adeptos aos santos e entidade de ambas as religiões e depois são distribuídos às crianças, adultos e familiares. Em meio a celebração, orações, danças, músicas e cânticos sagrados são entoados pelos participantes.

4. Os evangélicos e a festa de Cosme e Damião

Os evangélicos de forma geral procuram respeitar todas as manifestações religiosas praticadas pelas pessoas, mas submetendo qualquer padrão de comportamento e regra de fé ao crivo da Palavra de Deus. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento povo de Deus sempre foi orientado a não participar de cultos, sacrifícios, oferendas ou qualquer forma de adoração ministrados a qualquer divindade que não fosse o Senhor (Ex. 20.3-5; Dt. 6.4; Is. 42.8; 43.11). A incorporação da festa em escolas e o zelo sem entendimento de muitas pessoas, tem levado os evangélicos a questionarem sobre o mau que existe na distribuição de guloseimas e diversão para as crianças. Existe alguma implicação doutrinária sobre a invocação de santos falecidos para abençoar os pequenos?
A invocação de pessoas falecidas em favor dos vivos é uma prática proibida pelas Escrituras (Dt. 18.9-11; Is. 8.19-20); Cristo é o único mediador e intercessor entre Deus e os homens (I Tm. 2.5; Hb. 7.25); no Novo Testamento todos aqueles que se convertiam a Deus eram chamados de santos (Rm. 1.7; EF. 3.8; 4.11-12); participar ou comer de coisas sacrificadas aos ídolos foi algo veementemente proibido pela Palavra (At. 15.29; I Co. 10.25,28; II Co. 6.14-16); Jesus é o único que pode nos abençoar e as nossas orações devem ser dirigidas a Deus apenas em seu nome (Jo. 14.13-14; 16.23-24); em algumas populares orações destinadas a Cosme e Damião é solicitado "que o sangue desses mártires, servos da Santíssima Trindade, lave os meus pecados e purifique todo o meu ser". Entretanto a Bíblia diz que somente o Cordeiro de Deus [Jesus) pode nos purificar de todos os pecados (Jo. 1.29; Hb. 10.12,14; I Jo. 1.7,9).

5. Considerações finais

Observe o texto abaixo.

Fui no jardim colher as rosas
A vovozinha deu-me a rosa mais formosa
Fui no jardim colher as rosas
A vovozinha deu-me a rosa mais formosa
Cosme e Damião, ÔOOOh Doun
Crispim, Crispiniano São os filhos de Ogum
Cosme e Damião, ÔOOOh Doun
Crispim, Crispiniano São os filhos de Ogum

(Cantiga da umbanda em que o catolicismo se funde com os cultos afros).

A cantiga acima revela muito bem o sincretismo entre o catolicismo e as religiões afro-brasileiras no que concerne a veneração dos santos Cosme e Damião. Portanto é altamente recomendável que os pais evangélicos orientem seus filhos a não participarem dessa festa, não apenas pelo caráter de fusão e sincretismo, mas, sobretudo, porque a própria Bíblia nos orienta a não adorarmos qualquer outra divindade além do Senhor. Ao mesmo tempo, os exemplos de Cosme e Damião deveriam ser lembrados por todos os cristãos (assim como o de outros fieis servos de Deus no passado), mas a igreja jamais deve transformar esses homens e mulheres em supostos mediadores entre os homens e o Senhor. Só há uma Pessoa que concentra os tesouros celestiais, a salvação e a nossa paz: essa Pessoa é Cristo (At. 4.12; Ef. 2.13-14; Cl. 1.14).

Referências

APEC – Aliança Pró Evangelização das Crianças. A vida de Cosme e Damião. Disponível em: <http://estudosbiblicos.space blog.com.br/87212/A-VIDA-DE-COSME-E-DAMIAO/>.Acesso em: 07 nov. 2011.
Guizzetti, Franco. Faça a oração de Cosme e Damião para proteger as crianças. Disponível em: <http://vidaeestilo.terra.com. br/esoterico/interna/0,,OI5378108-EI14322,00Faca+a+oracao+de+Co sme+e+Damiao+para+proteger+as+criancas.html>. Acesso em: 07 nov. 2011.
Raphael, Danilo. Cosme e Damião. Defesa da Fé, nº 39, Ano 5, outubro/2001. Disponível em: Disponível em: <http://www.jesussite.co m.br/acervo.asp?id=758>. Acesso em: 07 nov. 2011.
SÃO Cosme e São Damião. Disponível em: <http://www.uniafro.xg.om.br/saocosmeedamiao.htm>. Acesso em: 07 nov. 2011.
SGARBOSSA, Mario; GIOVANNINI, Luigi. Um santo para cada dia. 7 ed. São Paulo: Paulus, 1983. 421 p.
Wikipédia, a enciclopédia livre. Cosme e Damião. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3% A3o>. Aces-so em: 07 nov. 2011.




[1] A palavra Ibeji que dizer gêmeos. É um referência aos irmãos Taiwo e Kehinde, orixás originais na cultura iorubá.