quarta-feira, 27 de março de 2013

Em um Estado laico não há espaço público para os religiosos?


O discurso da laicidade do Estado vem se manifestando atualmente em duas opiniões bastante interessantes: a primeira, exposta e muito bem discutida no artigo que se segue, analisa a participação de cidadãos com alguma confissão religiosa, no mundo da política e da vida pública. Não são raros os casos de políticos e membros da sociedade civil organizada, que consideram um absurdo a participação dessas pessoas no exercício de cargos eletivos, comissões ou qualquer outro órgão de representação e de tomada de decisões na sociedade. Acompanhando essa postura existe uma segunda opinião, também bastante abrangente que considera a religião, algo de interesse privado, particular, portanto uma instância da sociedade que deveria estar fora do jogo da democracia e dos destinos de uma nação. Mas, até que ponto isso é legítimo? Se a religião une grupos humanos, faz parte da história secular de diversos povos e influenciou fortemente suas convicções éticas, morais, sociais e econômicas, por que ela deveria ser totalmente banida da esfera de influência de poder, sendo tão presente nos modos de vida e de expressão do cidadão? Não são perguntas fáceis de responder, mas o artigo abaixo procura discutir um pouco essa questão. Valmir Nascimento é presbítero da Assembleia de Deus em Cuiabá (MT), graduado em Direito, pós-graduado em Direito e Antropologia da religião, analista judiciário federal, palestrante na área de Gestão de Créditos e educador cristão.

Por Valmir Nascimento

Nos últimos dias, a polêmica envolvendo o pastor e deputado Marco Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados trouxe à tona o debate acerca do conceito de Estado laico.
Muitos secularistas, ateus e agnósticos estão se aproveitando da situação para atacar a presença dos religiosos (principalmente evangélicos) na esfera pública, sob o argumento de que o Brasil é uma nação laica, e em virtude disso os religiosos não poderiam usar suas crenças dentro da política e do espaço público.
A alegação é absurda e sem sentido, pois revela o completo desconhecimento do que realmente seja o princípio da laicidade.

O QUE É ESTADO LAICO?

Estado laico, leigo ou não confessional é aquele que adota o sistema da separação entre igreja e governo (“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, Mt 22.21), diferentemente do sistema de confusão, representado pelo Estado Teocrático, e do sistema de união (Estado Confessional).
O Brasil é um Estado neutro, não confessional, o que significa dizer que não adota uma determinada religião ou igreja como oficial. O princípio da laicidade está previsto no art. 19, inciso I, da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Desse modo, não há qualquer vedação na Lei Maior no sentido de proibir a participação dos religiosos na esfera pública. Isso é tese de antirreligiosos ressentidos. Muito ao contrário disso, o Brasil garante, como direito fundamental e inalienável, a liberdade de consciência e crença religiosa (art. 5º, inciso VI). Garante também que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (art. 5º, inciso VIII).
Portanto, a tentativa de afastar os religiosos dos cargos públicos sob o argumento de que o Estado é laico não tem qualquer respaldo legal e muito menos constitucional, pois nenhum cidadão brasileiro pode ser privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

ESTADO LAICO, MAS NÃO ATEU

Por esse motivo afirma-se com segurança que o Estado é laico, porém, não é ateu, notadamente porque a própria Constituição, como se vê em seu preâmbulo, foi promulgada sob a proteção de Deus. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido que o preâmbulo não possui força jurídica, reconhece-se, no mínimo, que os legisladores da Assembleia Constituinte criam na existência de um Deus. E isso é irônico. O Estado é laico, mas também é teísta.
Para finalizar, cito parte da resposta do filósofo e professor de Harvard, Michael Sandel, em entrevista à revista Época (16 de jullho de 2012), quando questionado sobre a participação dos religiosos na política. Ele respondeu: “ (...) a política diz respeito às grandes questões e aos valores fundamentais. Então, a política precisa estar aberta às convicções morais dos cidadãos, não importa a origem. Alguns cidadãos extraem convicções morais de sua fé, enquanto outros são inspirados por fontes não religiosas. Não acho que devamos discriminar as origens das convicções ou excluir uma delas. O que importa é o debate ser conduzido com respeito mútuo”.

NASCIMENTO, Valmir. Em um Estado laico não há espaço público para os religiosos? Disponível em: <http://www.cpadnews.com.br/blog/valmirnascimento/POST_1_83_EM+UM+ESTADO+LAICO+N%E3O+H%E1+ESPA%E7O+P%FABLICO+PARA+OS+RELIGIOSOS?.html>. Acesso em: 27 mar. 2013.