Não são raros os casos onde
os evangélicos de forma geral, se recusam a participar ou comemorar festas que
no calendário ocidental são relembradas por muitos brasileiros. Essa recusa
provoca nas pessoa alguns questionamentos, pois se determinadas festas possuem
uma suposta base de "fé cristã" por que os cristãos evangélicos
também não participam delas?
Não é fácil esclarecer essas
pessoas sobre a posição adotada pelos evangélicos, visto que a grande maioria
delas sequer conhece a história do cristianismo e/ou como tantas festas que
nunca aparecem no Novo Testamento, surgiram séculos depois e passaram a ser
comemoradas pela igreja.
Esse breve estudo se
propõe a analisar a origem da festa de Cosme e Damião, sua chegada ao Brasil, a
incorporação da festa e dos santos pelas religiões afro-brasileiras e apresentar
à sociedade uma defesa da fé evangélica e justificar a sua não-comemoração
pelos evangélicos brasileiros.
1. Quem foram Cosme e Damião?
Grande parte do que hoje se
sabe sobre os santos Cosme e Damião são relatos muitas vezes contraditórios, em
que se torna difícil separar o que é fato e o que não passa de lendas. De acordo
com alguns pesquisadores, Cosme e Damião foram dois irmãos gêmeos que nasceram
na Arábia no século III d.C. (a data exata do nascimento é incerta). Filhos de
pais nobres dedicaram-se a estudar medicina na Síria e logo depois passaram a
praticá-la na Egéia. Foi por essa ocasião, que chegaram a ter contato com a fé
cristã, vindo a se converterem tempos depois em circunstancias até hoje
desconhecidas.
A conversão a fé cristã
produziu em ambos os gêmeos um amor pelos pecadores e um desejo de oferecer a
eles a medicina sem a cobrança pelos serviços prestados. Os irmãos ficaram
conhecidos como "anárgiros", ou seja, pessoas que não são
"compradas por dinheiro". Segundo alguns relatos, os gêmeos chegaram
a construir um hospital onde ao mesmo tempo que atendiam os pacientes pregavam
as boas novas do evangelho de Cristo. Outros relatos afirmam que para distrair
as crianças que se recusavam a tomar os remédios a base de ervas amargas, os
irmãos distribuíam doces como uma forma de amenizar o gosto dos medicamentos. Com
o exercício da medicina e a pregação do evangelho muitas pessoas foram
alcançadas pela Palavra de Deus e se convertiam a Cristo abandonando os cultos
das religiões pagãs. E por não cultuarem os deuses pagãos, os gêmeos começaram
a sofrer uma violenta oposição das autoridades do Império Romano, que em
localidades diferentes, perseguia outros cristãos.
Há muitas versões e lendas
para as mortes de Cosme e Damião. Em alguns relatos teriam sido amarrados e
jogados de um despenhadeiro sob a acusação de feitiçaria; em outros, sobram
tentativas de afogamento, queimaduras e apedrejamento, onde os irmãos eram
salvos por anjos ou algum outro milagre. A versão mais aceita defende que os
gêmeos após terríveis torturas, foram decapitados em meio a perseguição
motivada pelo imperador Diocleciano em 283 ou 303, na Egéia. Seus restos
mortais teriam sido levados para a cidade de Ciro, na Síria e lançados em uma
igreja a eles consagrada. Parte dos restos mortais foram levados no século VI
para Roma, onde outra igreja fora dedicada a eles. Outra parte dos restos
mortais foram também levados para uma igreja em Munique, na Alemanha. Por volta
de 530, o imperador Justiniano gravemente ferido, mandou construir em
Constantinopla uma igreja dedicada a memória desses mártires.
O dia exato da morte dos
irmãos Cosme e Damião é motivo de muita controvérsia e duas datas diferentes
são geralmente apresentadas: 26 ou 27 de setembro. De acordo com alguns
relatos, os irmãos foram decapitados no dia 26, levando um grupo de pessoas a
sepultá-los no dia seguinte (27). Conta-se que na ocasião, muitos doces foram
colocados no túmulo de ambos os gêmeos, como uma forma de homenageá-los. A
igreja católica dessa forma reconheceria o dia da morte, mas não o dia do
sepultamento. Já outro relato afirma que a igreja católica sempre comemorou a
morte dos irmãos no dia 27 até 1969, quando ocorreu uma reforma no calendário
romano, que deslocou a data para o dia 26, por que no dia 27 também se comemora
o dia de São Vicente de Paulo. Católicos mais tradicionais e seguidores da
Umbanda e do Candomblé, mantiveram a data historicamente praticada e, pelo
menos no Brasil, a festa dedicada a esses santos é realizada em 27/09. Outros
ainda acreditam que a tradição popular prefere o dia 27, porque foi nesse dia que
o papa Félix IV inaugurou em 500,
a igreja dedicada a esses irmãos em Roma.
2. Por que a igreja passou a cultuar os irmãos Cosme e Damião?
A igreja foi fundada sob o
sangue da nova aliança derramado por Jesus e edificada sobre o firme fundamento
dos apóstolos e dos profetas (At. 20.28; Ef. 1.7; 2.13; Cl. 1.20; Hb. 9.12; 12.24;
Ef. 2.20; Ap. 21.14). Qualquer pessoa que se propuser a analisar a igreja do
Novo Testamento ficará admirada ao descobrir como os cristãos corromperam a
simplicidade da fé em Cristo e séculos depois evoluíram para os princípios
doutrinários adotados na igreja católica romana.
Na verdade não é fácil
determinar o início da entrada de heresias e falsos ensinos na história da
igreja. Os apóstolos já enfrentavam esse problema e procuraram orientar os
convertidos sobre o aparecimento de doutrinas antibíblicas. Logo após a morte
dos apóstolos, uma geração de apologistas e líderes cristãos conduziram o
rebanho em meio às adversidades políticas, religiosas, filosóficas e culturais
do Império Romano. Lentamente alguns líderes cristãos começaram a adaptar a
estrutura hierárquica do Império Romano e a fundir elementos da teologia bíblica
com a mitologia e as crenças populares dos povos não alcançados pelo evangelho.
Muitas pessoas se convertiam, mas não abandonavam totalmente suas convicções
religiosas e, dentro da igreja elas acabaram criando uma série de práticas sem
fundamento bíblico, levando os historiadores até hoje a uma grande questão: o
cristianismo foi paganizado pela igreja ou a igreja cristianizou o paganismo?
No rastro dessas inovações e
influenciada pelo mundo pagão, a igreja começou a transformar os mártires da fé
cristã em intermediários entre Deus e os homens; ao elaborar festas específicas
a esses mártires, rapidamente os fiéis passaram a adorá-los como se fossem os
deuses e entidades do antigo panteão romano. Na mitologia grega já existia uma
lenda envolvendo os dois filhos gêmeos de Zeus, Castor e Pólux, levando alguns
estudiosos a concluir que a adoração dedicada a Cosme e Damião tenha sido
fortemente influenciada por este mito. Venerados como padroeiros dos médicos, gêmeos
e farmacêuticos, passaram a ser invocados como protetores das crianças e, desde
o século V, algumas igrejas ofereciam um óleo como o nome dos irmãos, onde se
acreditava que possuía poderes para curar doenças e dar filhos às mulheres estéreis.
O culto aos santos Cosme e
Damião espalhou-se pela Europa e desembarcou no Brasil trazido pelos
portugueses que iniciaram a colonização no século XVI. Em 1530, uma das mais
antigas igrejas católicas do país foi dedicada a esses santos no município de
Igarassu, na região metropolitana do Recife. Mas, no Brasil o culto a esses
santos ganhou uma roupagem diferente, sobretudo, porque ambos os santos, foram
incorporados pelas religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e o Candomblé.
3. As relações entre a festa de Cosme e Damião e as religiões
afro-brasileiras
Nas comunidades africanas da
nação iorubá são bastante populares os cultos aos chamados orixás-crianças
(ibejis[1]).
Segundo os mitos iorubás os ibejis seriam filhos de Iemanjá (a rainha das
águas) e Oxalá (o criador). Já outras tradições atribuem a paternidade dos
ibejis a Xangô (o senhor dos raios). E há tradições que atribuem a Iansã (orixá
feminino dos ventos, tempestades e paixões) a origem dos ibejis; estes porém,
foram abandonados por Iansã e criados por Oxum (orixá feminino dos rios,
riquezas materiais, bebês e recém-nascidos) como se fossem seus próprios filhos.
Ao serem trazidos como
escravos para o Brasil, os africanos eram batizados, recebiam um novo nome e
eram orientados a esquecerem suas tradições e a abraçar os preceitos do
catolicismo. Muitos escravos como uma forma de manter a unidade do grupo ou
mesmo resistir a escravidão, passaram a adorar as personalidades bíblicas e os
santos da igreja católica, mas associando-os com seus orixás e outras entidades
religiosas. Os ibejis passaram a ser reverenciados nas figuras de Cosme e
Damião. Proibidos de praticarem suas crenças, os africanos fundiram suas
tradições com o catolicismo em um processo conhecido como sincretismo cultural.
Com o processo de fusão e
logo depois a sedimentação do sincretismo, adeptos das religiões
afro-brasileiras e do catolicismo passaram a celebrar a data, geralmente cada
grupo reverenciando os elementos de sua religião ou membros das duas crenças
celebrando a festa como a uma só personalidade. A festa tornou-se popular em
todo o Brasil, mas é na Bahia que se encontram as tradições mais
diversificadas.
Antes da aproximação da
festa templos religiosos são enfeitados com bandeirolas e desenhos, terreiros
de umbanda e barracões de candomblé também se preparam para a celebração; em
Salvador (BA) é muito comum crianças e populares saírem às ruas solicitando
esmolas e ajuda para a produção de caruru, vatapá, doces e pipocas. No dia da
festa os pratos produzidos e as guloseimas são oferecidos pelos adeptos aos
santos e entidade de ambas as religiões e depois são distribuídos às crianças,
adultos e familiares. Em meio a celebração, orações, danças, músicas e cânticos
sagrados são entoados pelos participantes.
4. Os evangélicos e a festa de Cosme e Damião
Os evangélicos de forma
geral procuram respeitar todas as manifestações religiosas praticadas pelas
pessoas, mas submetendo qualquer padrão de comportamento e regra de fé ao crivo
da Palavra de Deus. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento povo de Deus
sempre foi orientado a não participar de cultos, sacrifícios, oferendas ou
qualquer forma de adoração ministrados a qualquer divindade que não fosse o
Senhor (Ex. 20.3-5; Dt. 6.4; Is. 42.8; 43.11). A incorporação da festa em
escolas e o zelo sem entendimento de muitas pessoas, tem levado os evangélicos
a questionarem sobre o mau que existe na distribuição de guloseimas e diversão
para as crianças. Existe alguma implicação doutrinária sobre a invocação de
santos falecidos para abençoar os pequenos?
A invocação de pessoas falecidas
em favor dos vivos é uma prática proibida pelas Escrituras (Dt. 18.9-11; Is.
8.19-20); Cristo é o único mediador e intercessor entre Deus e os homens (I Tm.
2.5; Hb. 7.25); no Novo Testamento todos aqueles que se convertiam a Deus eram
chamados de santos (Rm. 1.7; EF. 3.8; 4.11-12); participar ou comer de coisas
sacrificadas aos ídolos foi algo veementemente proibido pela Palavra (At. 15.29;
I Co. 10.25,28; II Co. 6.14-16); Jesus é o único que pode nos abençoar e as
nossas orações devem ser dirigidas a Deus apenas em seu nome (Jo. 14.13-14;
16.23-24); em algumas populares orações destinadas a Cosme e Damião é
solicitado "que o sangue desses mártires, servos da Santíssima Trindade, lave
os meus pecados e purifique todo o meu ser". Entretanto a Bíblia diz que
somente o Cordeiro de Deus [Jesus) pode nos purificar de todos os pecados (Jo.
1.29; Hb. 10.12,14; I Jo. 1.7,9).
5. Considerações finais
Observe o texto abaixo.
Fui no jardim colher as rosas
A vovozinha deu-me a rosa mais formosa
Fui no jardim colher as rosas
A vovozinha deu-me a rosa mais formosa
Cosme e Damião, ÔOOOh Doun
Crispim, Crispiniano São os filhos de Ogum
Cosme e Damião, ÔOOOh Doun
Crispim, Crispiniano São os filhos de Ogum
(Cantiga
da umbanda em que o catolicismo se funde com os cultos afros).
A
cantiga acima revela muito bem o sincretismo entre o catolicismo e as religiões
afro-brasileiras no que concerne a veneração dos santos Cosme e Damião.
Portanto é altamente recomendável que os pais evangélicos orientem seus filhos
a não participarem dessa festa, não apenas pelo caráter de fusão e sincretismo,
mas, sobretudo, porque a própria Bíblia nos orienta a não adorarmos qualquer
outra divindade além do Senhor. Ao mesmo tempo, os exemplos de Cosme e Damião
deveriam ser lembrados por todos os cristãos (assim como o de outros fieis
servos de Deus no passado), mas a igreja jamais deve transformar esses homens e
mulheres em supostos mediadores entre os homens e o Senhor. Só há uma Pessoa
que concentra os tesouros celestiais, a salvação e a nossa paz: essa Pessoa é
Cristo (At. 4.12; Ef. 2.13-14; Cl. 1.14).
Referências
APEC – Aliança Pró Evangelização
das Crianças. A vida de Cosme e Damião. Disponível em: <http://estudosbiblicos.space
blog.com.br/87212/A-VIDA-DE-COSME-E-DAMIAO/>.Acesso em: 07 nov. 2011.
Guizzetti, Franco. Faça a oração de Cosme e Damião para
proteger as crianças. Disponível em: <http://vidaeestilo.terra.com. br/esoterico/interna/0,,OI5378108-EI14322,00Faca+a+oracao+de+Co
sme+e+Damiao+para+proteger+as+criancas.html>. Acesso em: 07 nov. 2011.
Cosme e Damião.
Defesa da Fé, Disponível
em: <http://www.jesussite.co m.br/acervo.asp?id=758>. Acesso em: 07 nov.
2011.
SÃO Cosme e São Damião.
Disponível em:
<http://www.uniafro.xg.om.br/saocosmeedamiao.htm>. Acesso em: 07 nov.
2011.
SGARBOSSA, Mario;
GIOVANNINI, Luigi. Um santo para cada
dia. 7 ed. São Paulo: Paulus, 1983. 421 p.
Wikipédia, a enciclopédia
livre. Cosme e Damião. Disponível
em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cosme_e_Dami%C3% A3o>. Aces-so em: 07
nov. 2011.
[1] A palavra Ibeji que dizer
gêmeos. É um referência aos irmãos Taiwo e Kehinde, orixás originais na cultura
iorubá.