O discurso da laicidade do Estado vem se manifestando atualmente em
duas opiniões bastante interessantes: a primeira, exposta e muito bem discutida
no artigo que se segue, analisa a participação de cidadãos com alguma confissão
religiosa, no mundo da política e da vida pública. Não são raros os casos de
políticos e membros da sociedade civil organizada, que consideram um absurdo a
participação dessas pessoas no exercício de cargos eletivos, comissões ou
qualquer outro órgão de representação e de tomada de decisões na sociedade. Acompanhando
essa postura existe uma segunda opinião, também bastante abrangente que
considera a religião, algo de interesse privado, particular, portanto uma instância
da sociedade que deveria estar fora do jogo da democracia e dos destinos de uma
nação. Mas, até que ponto isso é legítimo? Se a religião une grupos humanos, faz
parte da história secular de diversos povos e influenciou fortemente suas
convicções éticas, morais, sociais e econômicas, por que ela deveria ser
totalmente banida da esfera de influência de poder, sendo tão presente nos
modos de vida e de expressão do cidadão? Não são perguntas fáceis de responder,
mas o artigo abaixo procura discutir um pouco essa questão. Valmir Nascimento é
presbítero da Assembleia de Deus em Cuiabá (MT), graduado em Direito,
pós-graduado em Direito e Antropologia da religião, analista judiciário
federal, palestrante na área de Gestão de Créditos e educador cristão.
Por Valmir Nascimento
Nos últimos dias, a polêmica envolvendo o pastor e deputado Marco
Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados trouxe à tona o debate acerca do conceito de Estado laico.
Muitos secularistas, ateus e agnósticos estão se aproveitando da
situação para atacar a presença dos religiosos (principalmente evangélicos) na
esfera pública, sob o argumento de que o Brasil é uma nação laica, e em virtude
disso os religiosos não poderiam usar suas crenças dentro da política e do
espaço público.
A alegação é absurda e sem sentido, pois revela o completo
desconhecimento do que realmente seja o princípio da laicidade.
O QUE É ESTADO LAICO?
Estado laico, leigo ou não confessional é aquele
que adota o sistema da separação entre igreja e governo (“Dai a César o que é
de César, e a Deus o que é de Deus”, Mt 22.21), diferentemente do sistema de
confusão, representado pelo Estado Teocrático, e do sistema de união (Estado
Confessional).
O Brasil é um Estado neutro, não confessional, o que significa dizer que
não adota uma determinada religião ou igreja como oficial. O princípio da
laicidade está previsto no art. 19, inciso I, da Constituição Federal, que veda
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Desse modo, não há qualquer vedação na Lei Maior no sentido de proibir a
participação dos religiosos na esfera pública. Isso é tese de antirreligiosos
ressentidos. Muito ao contrário disso, o Brasil garante, como direito
fundamental e inalienável, a liberdade de consciência e crença religiosa (art.
5º, inciso VI). Garante também que “ninguém será privado de direitos por motivo
de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei” (art. 5º, inciso VIII).
Portanto, a tentativa de afastar os religiosos dos cargos públicos sob o
argumento de que o Estado é laico não tem qualquer respaldo legal e muito menos
constitucional, pois nenhum cidadão brasileiro pode ser privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.
ESTADO LAICO, MAS NÃO ATEU
Por esse motivo afirma-se com segurança que o
Estado é laico, porém, não é ateu, notadamente porque a própria Constituição,
como se vê em seu preâmbulo, foi promulgada sob a proteção de Deus. Embora o
Supremo Tribunal Federal tenha decidido que o preâmbulo não possui força
jurídica, reconhece-se, no mínimo, que os legisladores da Assembleia
Constituinte criam na existência de um Deus. E isso é irônico. O Estado é
laico, mas também é teísta.
Para finalizar, cito parte da resposta do filósofo e professor de
Harvard, Michael Sandel, em entrevista à revista Época (16 de jullho de 2012),
quando questionado sobre a participação dos religiosos na política. Ele
respondeu: “ (...) a política diz respeito às grandes questões e aos valores
fundamentais. Então, a política precisa estar aberta às convicções morais dos
cidadãos, não importa a origem. Alguns cidadãos extraem convicções morais de
sua fé, enquanto outros são inspirados por fontes não religiosas. Não acho que
devamos discriminar as origens das convicções ou excluir uma delas. O que
importa é o debate ser conduzido com respeito mútuo”.
NASCIMENTO, Valmir. Em um Estado laico não há espaço público para os
religiosos? Disponível
em: <http://www.cpadnews.com.br/blog/valmirnascimento/POST_1_83_EM+UM+ESTADO+LAICO+N%E3O+H%E1+ESPA%E7O+P%FABLICO+PARA+OS+RELIGIOSOS?.html>.
Acesso em: 27 mar. 2013.