É possível que você não concorde com o artigo abaixo. Não faz mal,
pois outros tantos na internet também não concordaram. Muitos questionaram
porque os evangélicos não poderiam utilizar uma verba pública se outros grupos
sociais fazem uso dela, inclusive para defender causas contrárias aos princípios
cristãos. Outros apoiaram o artigo e afirmaram que o dinheiro seria muito
melhor empregado se utilizado na recuperação de escolas e hospitais públicos. Dessa
forma, o "ide" de Jesus e o testemunho cristão seriam melhor
apresentados para a sociedade. E você, qual é a sua opinião? O artigo foi
escrito por Paulo Teixeira,
carioca, cristão evangélico da igreja Assembleia de Deus e que atua na internet
como blogueiro e articulista, desde 2007, focando assuntos sociais, políticos e
religiosos, analisando-os sob a ótica cristã. Paulo é Licenciado em matemática
pela Universidade Castelo Branco (UCB/RJ) e graduando em história pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Por Paulo Teixeira
Eventos evangelísticos e os recursos públicos
A Marcha para Jesus é um evento internacional que vem se expandindo
desde sua idealização, em 1987, na cidade de Londres. No ano de 1993, o evento
foi realizado pela primeira vez no Brasil. Atualmente, faz parte do calendário
de diversas cidades brasileiras.
Em um primeiro momento, os cristãos poderiam imaginar que a Marcha para
Jesus seria um culto, uma celebração ao Senhor, que dá nome ao evento. Parece
ser evangelístico e, em alguns lugares, pode até ser. Alias, espero que seja,
desde que não haja recursos públicos envolvidos. Todavia, para ser patrocinado
pela prefeitura carioca, necessariamente, não pode ser um evento evangelístico,
tendo em vista o preceito contido no artigo 19 da Constituição Federal, que fala
da laicidade do Estado Brasileiro. Para ter este patrocínio, deve ser visto
como um movimento político, uma ação afirmativa, ou qualquer outra coisa, menos
um evento evangelístico. Basta observar que alguns políticos e pastores serão
prestigiados e outros “esquecidos”, tudo com base na aliança política
estabelecida.
Não é prática comum na política qualquer governante liberar recursos
para movimentos que se oponham às suas ações. Sequer esperamos que isto ocorra,
pois seria incoerência. Dessa forma, fica evidente que essa liberação de
recursos revela uma aliança política que pode ser apoiada por parte dos
evangélicos, mas reprovada por muitos outros: em si, já expõe divisão,
mostrando as marcas dos interesses de grupos e a distância entre a prática do evangelismo
e a do ativismo.
Por outro lado, há também o ativismo evangélico. É legítimo que ele
ocorra, pois os evangélicos também são cidadãos. Todavia, esse ativismo não
produz nenhum efeito para o Reino de Deus, pois a sociedade vê como uma
atividade política, como o é. A maior demonstração disso é que os governos até
liberam recursos públicos para a sua realização, como é o caso da Marcha para
Jesus, na Cidade do Rio de Janeiro, que tem recursos da prefeitura da Cidade. O
efeito disso é que o recebimento de recursos para um evento “evangélico”
fragiliza a força e a credibilidade dos evangélicos para defender com a
autonomia necessária seus princípios eventualmente colocados em risco pela
prefeitura patrocinadora.
As cidades que apresentam maior número de evangélicos no Estado do Rio
de Janeiro, bem como os estados mais evangelizados do Brasil, não alcançaram
estes resultados com recursos públicos. A Baixada Fluminense, no Rio de
Janeiro, é um grande exemplo. Região com vários municípios sofridos, porém, com
maioria de evangélicos. Estes grupos de pessoas se tornaram exemplos, não por
serem apoiados por recursos públicos, mas porque oram, evangelizam, visitam
hospitais, presídios, e não se cansam de falar de Jesus nas praças, nas ruas,
nos trens, aos familiares, colegas de trabalho e por onde andam. Esses tais,
anônimos, mas eficientes evangelistas, certamente devem sofrer nas filas de
hospitais, com médicos mal remunerados, sem remédios, e verem seus filhos,
parentes e amigos estudando em escolas públicas com professores mal remunerados
e sem estrutura.
Ademais, quem é a favor da liberação de recursos públicos para a Marcha
Para Jesus, ou para qualquer outro evento evangélico, não poderá se opor à
mesma liberação para a Parada Gay, ou para qualquer outro evento dessa ou de
outra natureza. Outros grupos de ativistas também se sentirão, com razão, no
direito de reivindicar o mesmo tratamento. Dessa forma, lá se vão os recursos
públicos, escassos, para patrocinar eventos em que estão presentes pessoas bem
vestidas, com planos de saúde, bons carros, programas de TV, rádio, igrejas bem
estruturadas, etc.
“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Tal frase foi
proferida por Jesus (Mc 12.17), onde o Mestre definiu com clareza a autonomia e
o respeito que deve haver entre a política (César) e a religião (Deus); pois
quando ambos se imiscuem, os resultados são drásticos.
O resultado inexorável é o agravamento da situação de deterioração dos
serviços públicos já precários. Muitos cristãos, dizimistas e ofertantes em
suas igrejas, certamente iriam preferir os recursos públicos em hospitais,
escolas, saneamento básico e em outras obras que melhorem a qualidade de vida
de toda a sociedade local, religiosa ou não.
Isto porque, os grandes pregadores que evangelizaram áreas de elevado
percentual de evangélicos, como a Baixada Fluminense, e outras regiões do país,
não estarão nos trios elétricos.
Se o evento fosse evangelístico, ao invés de patrocínio com recursos
públicos, seria patrocinado com ofertas, e não poderiam ficar distante dos
trios elétricos os verdadeiros evangelistas que pregam diariamente pelas ruas,
em hospitais, presídios, sem ter pelo menos um megafone. Por ser político, e
não quero tirar a legitimidade do movimento, possui patrocínio público e até da
Rede Globo, conhecida emissora que não tem em sua grade de programação qualquer
programa evangelístico: aprecia a parceria com evangélicos, mas não mostra
qualquer aderência com o Evangelho de Cristo.
As pessoas mais pobres que carecem da estrutura dos serviços públicos
para sobreviver, não terão força política para montar grandes movimentos e
terão seus interesses colocados em segundo plano, enquanto evangélicos, ou
ativistas bem aquinhoados, bem vestidos, de classe média, com seus planos de
saúde, com seus filhos em escolas particulares, no conforto dos seus carros,
com residência em bairros nobres, desfilarão nas áreas mais famosas da cidade,
com visibilidade na mídia, usando os recursos que faltarão em hospitais sem
remédios e leitos, escolas sem professores e estrutura, e em cada atividade da
administração pública. O que Jesus Cristo tem a ver com isso? Tudo isso poderia
acontecer, mas com recursos próprios das igrejas que querem “evangelizar” ou
mesmo se promover. Por fim, neste cenário, parece cumprir outra palavra de
Jesus: “Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem lhe
será tirado”. Marcos 4:25. Para o povo, que não tem bons serviços públicos, até
o que tem lhe será tirado. Para os fracos na fé que mergulham no ativismo puro,
até o que têm, também lhes será tirado. Que o Senhor Jesus nos guarde de
tamanho desastre.