Confesso que não tenho muita simpatia pelos comentários de Arnaldo
Jabor, mas esse artigo que ele escreveu para o conhecido periódico das
Organizações Globo, me levou a refletir sobre o momento político e ideológico
que vivemos no Brasil. Afinal de contas, em março de 2014 serão completados 50
anos da "revolução" (como querem os militares) ou "golpe" (como
deseja a esquerda de forma geral) de 1964. Ainda vem muita coisa por aí.
Por Arnaldo Jabor
Retiraram o corpo de João Goulart da
sepultura para examiná-lo. Coisa deprimente, os legistas examinando ossos de 40
anos atrás para saber se foi envenenado. Mas, havia também algo de um ritual de
ressurreição encenada. Jango voltava para a turma que está no poder e que se
considera vítima de 1964 até hoje. Só pensam no passado que os “legitima” com
nostalgia masoquista de torturas, heranças malditas, ossadas do Araguaia, em
vez de fazerem reformas no Estado paralítico e patrimonialista.
Querem continuar a “luta perdida” daqueles
tempos ilusórios. Eu estava lá e vi o absurdo que foi aquela tentativa de
“revolução” sem a mais escassa condição objetiva. Acuaram o trêmulo Jango, pois
até para subversão precisavam do Governo. Agora, nossos governantes continuam com
as mesmas ideias de 50 anos atrás. Ou mais longe. Desde a vitória bolchevique
de 1921, os termos, as ilusões são as mesmas. Aplica-se a eles a frase de
Talleyrand sobre a volta dos Bourbons ao poder: “Não aprenderam nada e não
esqueceram nada”.
É espantosa a repetição dos erros já
cometidos, sob a falácia do grande “teólogo” da História, Hegel, de que as
derrotas não passam de “contradições negativas” que levam a novas teses. Esse
pensamento justificou e justifica fracassos e massacres por um ideal racional.
No PT e em aliados como o PC do B há um clima de janguismo ou mesmo de
“brizolismo”, preferência clara da Dilma.
Brizola sempre foi uma das mais virulentas e
tacanhas vozes contrárias ao processo de desestatização.
Mas, além dessas mímicas brasileiras do
bolchevismo, os erros que querem repetir os comunistas já praticavam na época
do leninismo e stalinismo: a mesma postura, o mesmo jargão de palavras, de
atitudes, de crimes justificados por mentiras ideológicas e estratégias burras.
Parafraseando Marx, um espectro ronda o Brasil: a mediocridade ideológica.
É um perigo grave que pode criar situações
irreversíveis a médio prazo, levando o país a uma recessão barra pesada em
2014/15. É necessário alertar a população pensante para esse “perigo vermelho”
anacrônico e fácil para cooptar jovens sem cultura política. Pode jogar o
Brasil numa inextrincável catástrofe econômica sem volta.
Um belo exemplo disso foi a recusa do
Partido Comunista Alemão a apoiar os socialdemocratas nas eleições contra os
nazistas, pois desde1924 Stalin já dizia que os “socialdemocratas eram irmãos
gêmeos do fascismo”. Para eles, o “PSDB” da Alemanha era mais perigoso que o
nazismo. Hitler ganhou e o resto sabemos.
Nesta semana li o livro clássico de William
Waack “Camaradas”, sobre o que veio antes e depois da intentona comunista de
1935 (livro atualíssimo que devia ser reeditado), e nele fica claro que há a
persistência ideológica, linguística, dogmática e paranoica no pensamento
bolchevista aqui no Brasil. A visão de mundo que se entrevê na terminologia
deles continua igual no linguajar e nas ações sabotadoras dos aloprados ao
mensalão — o fanatismo de uma certeza. Para chegar a esse fim ideal, tudo é
permitido, como disse Trotsky: “a única virtude moral que temos de ter é a luta
pelo comunismo”. Em 4 de junho de 1918, declarou publicamente: “Devemos dar um
fim, de uma vez por todas, à fábula acerca do caráter sagrado da vida humana”.
Deu no massacre de Kronstadt, em 21.
No Brasil, a palavra “esquerda” continua o
ópio dos intelectuais. Pressupõe uma “substância” que ninguém mais sabe qual é,
mas que “fortalece”, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre
erros pavorosos e até justifica massacres. Temos de usar “progressistas e
conservadores”.
Temos de parar de pensar do Geral para o
Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis
amarram as possíveis. Temos de encerrar reflexões dedutivas e apostar no
indutivo. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista,
possível e até pessimista. O pensamento da velha “esquerda” tem de dar lugar a
uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais cotidiana. Weber em vez de
Marx, Sérgio Buarque de Holanda em vez de Caio Prado, Tocqueville em vez de
Gramsci.
Não tem cabimento ler Marx durante 40 anos e
aplicá-lo como um emplastro salvador sobre nossa realidade patrimonialista e
oligárquica.
De cara, temos de assumir o fracasso do
socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma de fé religiosa? A
palavra “socialismo” nos amarra a um “fim” obrigatório, como se tivéssemos que
pegar um ônibus até o final da linha, ignorando atalhos e caminhos novos.
A verdade tem de ser enfrentada:
infelizmente ou não, inexiste no mundo atual alternativa ao capitalismo. Isso é
o óbvio. Digo e repito: uma “nova esquerda” tem de acabar com a fé e a
esperança — trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber
para onde vai.
No Brasil, temos de esquecer categorias
ideológicas clássicas e alistar Freud na análise das militâncias. Levar em conta
a falibilidade do humano, a mediocridade que se escondia debaixo dos bigodudos
“defensores do povo” que tomaram os 100 mil cargos no Estado.
Além de “aventureirismo”, “vacilações
pequeno burguesas”, “obreirismo”, “sectarismo”, “democracia burguesa,” “fins
justificando meios”, “luta de classes imutável” e outros caracteres leninistas
temos de utilizar conceitos como narcisismo, voluntarismo, onipotência,
paranoia, burrice, nas análises mentais dos “militantes imaginários”.
Baudrillard profetizou há 20 anos: “O
comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo
inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas
através do seu modelo de des-funcionamento e da desestruturação brutal”, (vide
o novo eixo do mal da A. Latina).
Sem programa e incompetentes, os
neobolcheviques só sabem avacalhar as instituições democráticas, com alguns
picaretas-sábios deitando “teoria” (Zizek e outros). Somos vítimas de um
desequilíbrio psíquico. Muito mais que “de esquerda” ou “ex-heróis
guerrilheiros” há muito psicopata e paranoico simplório. Esta crise não é só política
— é psiquiátrica.
Fonte: JABOR, Arnaldo. O 'perigo vermelho'. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/o-perigo-vermelho-11224735#ixzz2puVPj166>. Acesso em: 9 jan. 2014.
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