O comentário de Rachel Sheherazade ainda está rendendo o que falar.
O PSOL, partido do deputado Jean
Wyllys, foi quem desta vez resolveu se manifestar. Agora, o partido entrou com
uma representação contra o SBT no Ministério Público devido às declarações de Rachel Scheherazade, alegando que "a jornalista tenha
incentivado a prática da justiça com as próprias mãos com seu comentário
durante o telejornal SBT Brasil." Não que eu necessariamente concorde com tudo
o que Rachel Scheherazade apresenta em seus comentários; todavia, eu não vi
ninguém deste partido sair em defesa da jornalista quando o filósofo Paulo
Ghiraldelli Jr. desejou que ela fosse estuprada. “Meus votos para 2014: que
Rachel Sherazedo seja estuprada”. Logo depois outra postagem: “Votos para 2014:
que a Rachel Sherazedo abrace bem forte, após ser estuprada, um tamanduá”. Para
maiores informações siga o link que se segue: <http://professorlucianoborges.blogspot.com.br/2014/01/rachel-sheherazade-mulher-que.html>.
O artigo que se segue foi escrito por Valmir Nascimento, que é presbítero da Assembleia de Deus em Cuiabá (MT), graduado em
Direito, pós-graduado em Direito e Antropologia da religião, analista
judiciário federal, palestrante na área de Gestão de Créditos e educador
cristão.
Por Valmir Nascimento
Dois eventos
envolvendo violência chamaram a atenção do Brasil nos últimos dias: o
assaltante que foi preso e amarrado nu a um poste por um grupo de jovens, no
Flamengo, Rio de Janeiro; e a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes,
Santiago Andrade, atingido por um rojão enquanto cobria o confronto entre
manifestantes e policiais durante protesto também no Rio de Janeiro.
O primeiro caso
recebeu maior repercussão em virtude dos comentários da jornalista do SBT
Rachel Sheherazade, que mandou aqueles que se apiedaram do rapaz amarrado ao
poste, que adotassem um bandido. Isso foi o suficiente para ser acusada - de
forma estridente - de apologia ao crime, violação aos direitos humanos,
preconceito e incitação ao ódio.
Mas, afinal de
contas o comentário de Sheherazade foi tão inconsequente e violento a ponto de
justificar o linchamento moral contra a sua pessoa? O que há por trás da
discussão travada na sociedade nos últimos dias? Esses dois pontos de indagação
podem nos ajudar a compreender as nuanças do contexto sociocultural brasileiro,
as ideologias por trás dos discursos, as cosmovisões conflitantes e - o mais
importante - as táticas da guerra cultural em andamento.
Vivemos, como
afirmou Dallas Willard em A Conspiração Divina (p. 29), sufocados por slogans,
em que acontecimentos, coisas e informações nos afogam, nos subjugam,
desorientando-nos com ameaças e possibilidades acerca das quais a maioria de
nós não sabe o que fazer. Ele diz que “comerciais, slogans, bordões políticos e
pretensiosos rumores intelectuais atulham o nosso espaço mental e espiritual.
As nossas mentes e os nossos corpos ‘pegam’essas coisas como um terno escuro
pega fiapos”.
Por isso, a leitura e o entendimento do que há por
trás de tantos slogans e de tanta informação, indo na raiz dos pressupostos
subjacentes às ideias, é essencial para que o cristão coloque em prática o
principio bíblico do discernimento.
Quanto ao
comentário, em artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 11.2.14, sob o
título “Ordem ou barbárie”, a própria jornalista reafirmou compreender (e não
aceitar) a atitude desesperada dos justiceiros do Rio. Ela também observou que
embora não respalde a violência, a legislação brasileira autoriza qualquer
cidadão a prender outro em flagrante delito, e além disso o Direito ratifica a
legitima defesa no artigo 22 do Código Penal.
Ainda que o
Estado seja ineficiente e a segurança pública esteja em frangalhos, não é
concebível aceitar a ideia do retorno da sociedade ao estágio da vingança
pessoal, sob pena de legitimar o barbarismo, a desorganização social e a quebra
da autoridade estatal na aplicação da justiça. Nesse ponto, o comentário de
Sheherazade é passível de crítica (assim como qualquer outro), mas não de
censura, acusação de incitação ao ódio ou de apologia criminosa, afinal ela
deixou bem claro ter compreendido (e não endossado) a ação dos justiceiros. Em
ética isso se chama senso moral, materializado por nossos sentimentos positivos
ou negativos, a exemplo da raiva, remorso, indignação, vergonha, solidariedade,
compaixão, altruísmo etc. Diante de tamanha impunidade que grassa no meio
social é compreensível, mas não justificável, o sentimento de revolta contra
bandidos que roubam, matam e danificam os cidadãos do bem, provocando a reação
das vítimas além dos limites legais.
Mas, a opinião da
âncora do jornal SBT Brasil foi interpretada como uma espécie de heresia
social, um crime capital cometido por pessoas desprovidas de senso de
responsabilidade e controle emocional. Pediram a cabeça da jornalista. Seu
comentário foi repudiado. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Município do Rio de Janeiro solicitou à Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj) a abertura de investigação por suposta violação aos direitos humanos e
ao código de ética da classe profissional.
A resposta
desproporcional e raivosa por uma parte da sociedade contra a opinião da moça é
algo que salta aos olhos. E o motivo da gritaria midiática também é notório. Há
algum tempo os comentários conservadores de Sheherazade, na contramão de uma
mídia dominada pelo liberalismo, tem irritado os defensores do pensamento
politicamente correto. Sheherazade é a pedra no sapato do esquerdismo social.
Seus posicionamentos firmes contra manifestações arruaceiras, carnaval
patrocinado pelo poder público e rolezinhos, somente para citar algumas de suas
opiniões, a colocaram em rota de colisão contra aquela turma de jornalistas e
supostos intelectuais que idolatram Marx e dizem amém para Engels. E,
ironicamente, como escreveu Olavo de Carvalho, “a reação indignada contra os
populares que ousaram "fazer justiça com as próprias mãos" partiram
especialmente de pessoas que, quatro décadas atrás, faziam exatamente isso”.
Os ataques,
portanto, não se destinaram especificamente para o comentário jornalístico; mas
para a própria Sheherazade. Essa é a tática utilizada pela esquerda para tentar
vencer um debate: crie um estereótipo caricato do seu oponente para que as
pessoas não ouçam o que ele diz. Um artigo publicado na internet exemplifica
essa sórdida estratégia: “Ela é loira, magra, com cara de “séria”, cristã e mãe
de família. Ao mesmo tempo é uma pessoa “firme”. Quer justiça. Mesmo que seja
feita pelas próprias mãos. Quer o fim dos “marginaizinhos”, dos “vândalos de
shopping”. (esse lugar para a família). Raquel Sheherazade, a apresentadora o
SBT, é a cara da classe média/alta brasileira “de bem”. Pessoas com ódio no
coração. Mas que, como ela, afirmam estar do lado dos cidadãos “do bem”. É como
se o fato dela ser magra, com cara de “séria”, cristã, mãe de família e da
classe média a transformasse numa espécie de desqualificada, fora dos padrões
de um sociedade pluralista e relativista.
O direcionamento
dos ataques por motivos ideológicos fica ainda mais evidente quando observamos
que críticas semelhantes e com a mesma intensidade não são dirigidas, por
exemplo, a apresentadores de programas policiais, ainda que de repercussão
nacional, que reiteradamente proferem comentários bem mais intensos e
“justiceiros” do que aquele exposto por Sheherazade. Qual seria a diferença -
do ponto de vista do jornalismo - entre a opinião da apresentadora do SBT e dos
demais apresentadores? Nenhuma. Mas, um amigo me justificou que Sheherazade
posa de intelectual, e por isso seus comentários têm mais peso do que os
demais. Por essa lógica, poderíamos entender que a jornalista deve ser
censurada exatamente por expor suas ideias com convicção. Ou seja: é proibido
pensar!
Obviamente que o
argumento é frágil. Mas é preciso entender que essa discussão não vem em um
vácuo, ela faz parte do embate cultural, dentro de um ambiente de pluralismo e
relativismo sem precedentes.
Pode parecer
absurdamente estranho que no interior dessa sociedade plural e inclusivista os
próprios apologetas da diversidade se fechem dentro de seu mundo utópico
enquanto rejeitam os outros mundos. D. A. Carson, em seu recente livro O Deus
Amordaçado, capta bem o espírito do nosso tempo, chamando esse pluralismo de
filosófico ou hermenêutico que gera muitas abordagens em apoio de uma postura:
a saber, que qualquer noção de que uma declaração ideológica ou religiosa em
particular é intrinsecamente superior a outra é necessariamente errada. A
efeito, diz Carson, o único credo absoluto é o credo do pluralismo, que nasce a
partir de uma nova hermenêutica de desconstrução, cujo principal alvo a ser
atingido é o “fundamentalismo/conservadorismo”.
Em outras
palavras, os detratores de Sheherazade, apesar de sustentarem teoricamente a
tolerância social, são intolerantes práticos, que não suportam comentários e
opiniões que contrariam suas cosmovisões e esmigalham suas ideias infundadas.
Toda conduta deve ser aceita e qualquer ponto de vista moral merece espaço na
mesa pública. Menos os conservadores, é claro, “fundamentalistas e defensores
da moralidade judaico-cristã. Contraditoriamente, esses parecem não ter direito
a nenhum tipo de tolerância. Essa é a visão cínica e hipócrita dos
progressistas.
Rachel
Sheherazade, volto a dizer, é passível de crítica, assim como qualquer outra
pessoa. Mas, a censura contra a sua opinião e a manipulação da mídia em seu
desfavor são coisas que estão muito além da mera crítica contraditória e da
divergência no reino das ideias. É um verdadeiro linchamento moral, como se ela
própria tivesse violentado e amarrado o rapaz ao poste, ou cometido coisa ainda
pior. Os valores são tão invertidos que até a expressão “pessoas do bem”, vejam
só vocês, passou a ser considerada como preconceituosa e descabida, um tipo de
elitismo da classe média.
E esse tipo de tática é desprezível.
Cabe agora um
comentário final. O apoio ao pensamento conservador não significa que aqueles
que defendam um ponto de vista social de direita, diga-se de passagem, estejam
isentos de erros e devam ser apoiados sempre. Isso porque, como escreveu
Charles Colson, a integridade precede a lealdade; pois a lealdade, não importa
o quão admirável seja, pode ser perigosa se investida em uma causa indigna. Já
a integridade vem do verbo grego integrar, que significa tornar-se unido para
formar um todo completo ou perfeito, e por isso nossas ações devem ser
coerentes com nossos pensamentos.
Por isso mesmo,
discernimento e sabedoria bíblica (Pv. 2.6; 21.30) são imprescindíveis para
separar o joio do trigo, a fim de refutarmos apropriada e oportunamente
comentários que desbordam das Escrituras e da cosmovisão cristã. Até na esfera
social, em assuntos relacionados à política, mídia e direito, é preciso agir
como os bereanos (At. 17.11), examinando se aquilo que ouvimos confere ou não
com as Escrituras.
Fonte: NASCIMENTO,
Valmir. O
comentário de Rachel Sheherazade e o discurso de censura. Disponível
em: < http://www.cpadnews.com.br/blog/valmirnascimento/?POST_1_99_O+COMENT%E1RIO+DE+RACHEL+SHEHERAZADE+E+O+DISCURSO+DE+CENSURA.html>.
Acesso em: 15 fev. 2013.
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