sexta-feira, 5 de julho de 2013

Considerações sobre o crescimento dos evangélicos no Brasil

Por Luciano Borges de Santana

Com a divulgação do dados, projeções e estimativas que apontam o crescimento dos evangélicos no Brasil ao longo das últimas décadas, especialistas e religiosos vem discutindo as razões desse crescimento, o cotidiano daqueles que professam a fé e que implicações esse crescimento teria sobre a mentalidade social, as instituições políticas e o próprio exercício da cidadania pelo segmento evangélico. Ainda poderia se questionar se esse crescimento seria o resultado da apresentação a sociedade de um evangelho comprometido com os ensinamentos bíblicos, ou a acomodação das exigências bíblicas ao gosto individual de uma sociedade que cultiva o "ter" e não o "ser", o hedonismo e o efêmero como valores absolutos. Nessa discussão também pode se refletir sobre que tipo de igreja existirá no futuro a partir do comportamento e do 'modus vivendi" dos evangélicos contemporâneos.

Número de brasileiros em cada religião/Censo 2010
Religião
População
Católica apostólica romana
123.280.172
Evangélicas
42.275.440
Espírita
3.848.876
Umbanda, candomblé e religiões afrobrasileiras
588.797
Outras religiões
5.185.065
Sem religião
15.335.510
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)

 

Fonte: Número de evangélicos aumenta 61% em 10 anos, aponta IBGE. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html>. Acesso em: 05 jul. 2013.

 

Brasileiros, por sexo, em cada religião/Censo 2010
Religião
Homens
Mulheres
Católica apostólica romana
61.180.316
62.099.856
Evangélicas
18.782.831
23.492.609
Espírita
1.581.701
2.267.176
Umbanda, candomblé e religiões afrobrasileiras
269.488
319.310
Outras religiões
2.364.696
1.122.524
Sem religião
9.082.507
6.253.004
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)
Fonte: Brasileiros, por sexo, em cada religião/Censo 2010. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html>. Acesso em: 05 jul. 2013.

Gráfico comparativo de religiões entre os anos 1940 e 2010. Disponível em: <http://noticias.gospelmais.com.br/ibge-populacao-evangelica-cresceu-61-38288.html>. Acesso em: 05 jul. 2013.

Status atual das religiões no Brasil. Disponível em: <http://noticias.gospelmais.com.br/ibge-populacao-evangelica-cresceu-61-38288.html>. Acesso em: 05 jul. 2013.

Quando analisamos os primeiros 13 capítulos do livro de Atos do Apóstolos é possível perceber que entre a ascensão de Jesus Cristo e a primeira viagem missionária, os discípulos experimentaram um vertiginoso crescimento no número de seguidores. Algumas referências citadas ao longo do livro apresentam indícios contínuos desse crescimento. Comecemos pelo início. Em At. 1.12-14 lemos que: Então, voltaram para Jerusalém, do monte chamado Olival, que dista daquela cidade tanto como a jornada de um sábado. Quando ali entraram, subiram para o cenáculo onde se reuniam Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de Tiago. Todos estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele. Pela descrição do texto bíblico é possível observar que poucas pessoas seguiam o Mestre, sendo razoável constatar que muitos que seguiram a Jesus anteriormente, naquele momento possuíssem alguma forma de medo, devido aos incidentes dos dias anteriores, entre a prisão e a ascensão do Senhor. Entretanto, com a primeira pregação apostólica pública após a morte de Jesus, houve uma conversão em massa e At. 2.41 afirma que: Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. A igreja continuou a crescer. Em At. 2.47 lemos: Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. Mais adiante reconhece-se que uma multidão de pessoas seguia a Jesus. At. 4.32: Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Até mesmo muitos sacerdotes passaram a obedecer a fé. At. 6.7: Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé. E nos capítulos seguintes, o evangelho espalhou-se pelas cidades vizinhas a Jerusalém, pela Judéia e por Samaria.
O crescimento da igreja, a vida comunitária e o exercício da fé em um ambiente hostil, produziram conflitos internos e problemas externos que demandaram soluções inteligentes e firmeza com relação às convicções religiosas. Aqueles cristãos não temiam o "politicamente correto". Quando solicitados a manterem suas crenças na esfera do espaço privado e não pregarem o evangelho de Jesus Cristo, a resposta foi taxativa. At. 4.15-20: E, mandando-os sair do Sinédrio, consultavam entre si, dizendo: Que faremos com estes homens? Pois, na verdade, é manifesto a todos os habitantes de Jerusalém que um sinal notório foi feito por eles, e não o podemos negar; mas, para que não haja maior divulgação entre o povo, ameacemo-los para não mais falarem neste nome a quem quer que seja. Chamando-os, ordenaram-lhes que absolutamente não falassem, nem ensinassem em o nome de Jesus. Mas Pedro e João lhes responderam: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos. Para aqueles cristãos perder bens, rendas, títulos, posses, riquezas ou a própria vida e serem ridicularizados ou hostilizados pela sociedade era o que menos importava. Será que a igreja evangélica brasileira em crescimento estaria disposta a isso também?
Mais adiante rapidamente a igreja se deparou com a hipocrisia religiosa e o exercício superficial da fé. O episódio se encontra em Atos 5.1-11 e narra o desfecho trágico de Ananias e Safira, que se passando por piedosos, deram a entender que repassavam à igreja o valor total de uma venda, quando na verdade retiveram parte dela. Deus que  a tudo conhece, revelou as intenções do casal ao apóstolo Pedro, que prontamente profetizou o juízo divino: ambos morreram súbita e publicamente, caindo o temor sobre todos. At. 5.21: E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos. Os apóstolos não se intimidavam diante de "dízimos e ofertas" ou influência social, política e econômica. Se o pecado tinha que ser denunciado isso era feito com rigor. Será que a igreja evangélica brasileira em crescimento estaria disposta a isso também?
Como a igreja se expandia em uma sociedade hostil, não tardou para ocorrer as primeiras perseguições religiosas. Optei pelo termo "perseguição" e não "intolerância" porque o primeiro me parece ser mais amplo e envolve a articulação político-estatal associada com a religião e demais estruturas de poder (At. 4.1-3). A perseguição se aprofunda após o martírio de Estevão (At. 7.59) e aprofunda-se com Saulo (At. 8.1,3). Todavia, a dispersão provocada pelas perseguições, longe de destruir a fé dos cristãos, produziu muito mais crescimento. At. 4.4-8: Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra. Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Pois os espíritos imundos de muitos possessos saíam gritando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos foram curados. E houve grande alegria naquela cidade. Será que a igreja evangélica brasileira em crescimento estaria disposta a suportar qualquer forma de perseguição, sem abandonar os princípios bíblicos, utilizando as vicissitudes da vida, também como estímulo para a pregação do evangelho?
Como a igreja é formada espiritualmente pelos convertidos de todas as etnias, grupos e classes sociais, no princípio da estruturação do cristianismo não tardou para que essas tensões aparecessem. Em At. 6.1-7, além da instituição dos primeiros diáconos é explicado também o motivo que deflagrou a criação desse ofício eclesiástico. At. 6.1: Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária. Entretanto, longe de abandonar a pregação da Palavra de Deus ou substituí-la por um "evangelho social" ou de "causas sociais", os apóstolos reconheceram a importância de se ajudar os menos favorecidos, constituíram os diáconos sobre este ministério e continuaram normalmente a exposição das verdades cristãs. At. 6.2-6: Então, os doze convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. Mas, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra. O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos. Será que a igreja evangélica brasileira estaria disposta a não confundir a pregação do evangelho com ativismo e colocar a supremacia da Palavra de Deus acima de qualquer problema social?
Outros problemas poderiam ser ainda apresentados, como os conflitos gerados pela conversão de Cornélio e a consequente entrada dos gentios no corpo espiritual de Cristo (At. 10-11) e a fome que atingiu as igrejas na Judéia, socorridas em grande parte com o auxílio de outras igrejas (At. 11.27-30). As soluções que os cristãos encontraram para os seus problemas nasciam na motivação em se fazer cumprir o ide de Jesus Cristo, com relação a pregação do evangelho a toda criatura (Mc. 16.15). O evangelho implica uma forma de salvação exclusivamente através de Cristo (Jo. 14.16; At. 4.12), uma vida de renúncia mediante a aceitação dos ensinos de Jesus (Mt. 11.28-30) e a expectativa de que o mesmo Cristo morto e ressuscitado, voltará um dia para galardoar aqueles que o amam, conforme At. 1.9-11: Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos. E, estando eles com os olhos fitos no céu, enquanto Jesus subia, eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles e lhes disseram: Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir. Veja também Fp. 3.20-21: Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas. Será que a igreja evangélica brasileira estaria disposta a defender esses mesmos princípios, sem corromper o evangelho doutrinariamente e transformá-lo em ativismo social ou fonte de lucro para lobos vestidos como ovelhas? É muito importante pensar sobre isso, pois dependendo de como a igreja atual responder as perguntas que formulei ao longo do artigo, se estruturará a igreja que veremos no futuro.

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