domingo, 10 de abril de 2011

O massacre em Realengo, Rio de Janeiro (RJ): bullying ou fanatismo religioso

Por Luciano Borges de Santana

O dia 07/04/11 ficará para sempre marcado na história do Brasil. Assim como ocorreu com a Chacina da Candelária na madrugada de 1993 (onde seis menores e dois adultos sem teto foram brutalmente assassinados por policiais militares), o massacre em Realengo será tristemente lembrado pela frieza, crueldade e circunstâncias bizarras em que fora provocado. A tragédia chocou o país e deixou uma enorme massa de brasileiros bastante preocupada. Afinal, a tragédia atingiu crianças em uma escola pública, que em sua grande maioria são frequentadas por filhos de trabalhadores que não podem pagar por uma escola particular. Contudo, o mesmo sentimento também atingiu os pais que possuem filhos matriculados em escolas particulares.
Não desejo discutir a cronologia dos eventos, algo que já vem sendo feito ostensivamente pela mídia. Quero refletir (sem ter a pretensão de ser a última palavra), sobre as causas que motivaram um massacre tão covarde, brutal e desumano como esse. O que pode existir no imaginário de um ser humano que leve-o a praticar uma atitude dessa natureza? Eram questões como essa que muitas pessoas discutiam no Brasil nas primeiras horas após a tragédia. Mas, a descoberta de uma carta deixada por Wellington Menezes de Oliveira acabou por dar ares ainda mais dramáticos a essas questões e algumas pessoas rapidamente se apresaram a tratar o assunto como resultado de um mero "fanatismo religioso". Eis o teor da carta.

Primeiramente, deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter um contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão, os que cuidarem de meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar, me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco que está neste prédio, em uma bolsa que deixei na primeira sala do primeiro andar, após me envolverem neste lençol poderão me colocar em meu caixão. Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e está sepultada no cemitério Murundu. Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.
Eu deixei uma casa em Sepetiba da qual nenhum familiar precisa, existem instituições pobres, financiadas por pessoas generosas que cuidam de animais abandonados, eu quero que esse espaço onde eu passei meus últimos meses seja doado a uma dessas instituições, pois os animais são seres muito desprezados e precisam muito mais de proteção e carinho do que os seres humanos que possuem a vantagem de poder se comunicar, trabalhar para se alimentarem, por isso, os que se apropriarem de minha casa, eu peço por favor que tenham bom senso e cumpram o meu pedido, por cumprindo o meu pedido, automaticamente estarão cumprindo a vontade dos pais que desejavam passar esse imóvel para meu nome e todos sabem disso, senão cumprirem meu pedido, automaticamente estarão desrespeitando a vontade dos pais, o que prova que vocês não tem nenhuma consideração pelos nossos pais que já dormem, eu acredito que todos vocês tenham alguma consideração pelos nossos pais, provem isso fazendo o que eu pedi.

O primeiro parágrafo da carta é bastante confuso e não revela diretamente as crenças de Wellington Menezes. A linguagem aparentemente evangélica devido as expressões que utiliza, acaba encerrando com uma terminologia não evangélica, quando ele solicita que uma pessoa ore diante do seu túmulo, suplicando o perdão de Deus pelo que ele fez e a sua ressurreição para a vida eterna na segunda vinda de Jesus. Esse pedido incomum não é encontrado nos credos doutrinários das mais conhecidas igrejas evangélicas, para as quais a salvação é algo individual, sem qualquer possibilidade de uma intermediação humana após o falecimento da pessoa. No catolicismo romano há uma doutrina que respaldaria esse desejo de Wellington, que é o purgatório, mas o restante do texto também não deixa claro que Wellington fosse simpatizante do catolicismo.
Apesar dessa indefinição religiosa não foram poucos os internautas que postaram comentários contra a religião, especialmente o cristianismo, acusando-a de ser o símbolo do atraso, da ignorância, da tragédia e culpada por quase todos os males do mundo. Grande parte desses críticos esqueceram que o ateísmo também promoveu, massacres, grandes tragédias, destruiu famílias e ceifou a vida de inúmeros inocentes. Com o desenrolar dos acontecimentos e as investigações feitas pela polícia, as entrevistas concedidas por parentes, vizinhos, conhecidos, ex-colegas de escola e especialistas em psicologia, psiquiatria e criminalística, começou a se formar uma explicação para o comportamento de Wellington: ele havia sido vítima de bullying quando estudante e o seu jeito introvertido, na verdade era uma reação provocada pela baixa estima que ele possuía de si mesmo.
Entretanto, em meio as muitas entrevistas concedidas, algumas pessoas afirmaram que Wellington Menezes possuía um certo interesse pelo atentados às Torres Gêmeas em 2001. Chegara a afirmar a um de seus primos que desejaria jogar um avião no Cristo Redentor e passou um tempo deixando a barba crescer, o que levou os seus vizinhos a chamarem-no de "Bin Laden". A análise de sua carta-testamento apresenta inúmeras semelhanças com a carta-testamento deixada pelo terrorista Mohammed Ata, um dos sequestradores que atirou um avião contra as Torres Gêmeas em 2001.
Tudo isso ficou muito mais enigmático depois que a revista Veja em sua edição de 09/09/2011 publicou trechos de uma carta que foi encontrada na mochila de Wellington, onde ele afirma que lia o Alcorão quatro horas por dia e meditava sobre os atentados de 11/09. A revista também divulgou algumas informações sobre outros documentos encontrados na mochila. Em uma ficha de renovação de matrícula de 2004, no Colégio Estadual Madre Teresa de Calcutá, ele assinalava que sua religião era "testemunha de Jeová". Já em um mesmo documento da escola de 2006, ele assinalou a resposta para "muçulmano". A polícia agora investiga se o "assassino de Realengo" teria alguma conexão com grupos terroristas. 
Afinal de contas o que levou um jovem de 23 anos a praticar uma barbaridade semelhante a provocada por outros serial killers em escolas do mundo inteiro, principalmente nos EUA? Seria Wellington Menezes vítima de bullying ou suas convicções não passavam de mero fanatismo religioso? Esse mistério só será solucionado com o aprofundamento da investigações, principalmente a partir do computador destruído que foi encontrado em sua casa. Uma perícia visando a recuperação dos dados poderá revelar que sites ele visitava ou que tipos de documentos ele possuía. Wellington afirma em sua carta-testamento que era "virgem", mas durante a comoção pela tragédia uma fonte ouvida pela imprensa chegou a afirmar que ele estaria com AIDS! Como se vê são muitas perguntas e poucas respostas.

5 comentários:

♥× яααyรтєfαиy_ мσlєkα тяαkiиââн ×♥ disse...

História chocante que vai marcar para sempre a vida dos estudantes que presenciaram ou até mesmo sofreram a esse massacre.

JOÃO PESSOA INFORMATICA disse...

É interessante ver como a sociedade criminaliza o cristianismo e tudo que diz respeito a fé. A historia triste deste jovem independente de problemas psicologicos ou traumas antigos, revela uma juventude longe de Deus e longe dos valores morais da sociedade.

Mirtes de Oliveira Diniz disse...

Parabéns Luciano, seu blog trata de temas atuais, diversos, sendo interessante para pessoas de idade variada. Você está trabalhando ele com seus aluno?

Luciano Borges de Santana disse...

Obrigado pela participação de todos nessa discussão. Esse episódio não será esquecido, mas as crianças da escola em Realengo precisam levantar a cabeça, e refletir sobre as causas que já foram apontadas por mim ao longo desse artigo. Dizer não ao bullyng já é um bom começo.

Luciano Borges de Santana disse...

Professora Mirtes, obrigado pela participação. Eu havia iniciado uma atividade tendo este blog como base de apoio, mas lamentavelmente devido a diversos problemas no horário das turmas da minha escola, só foi possível desenvolver a atividade em uma única turma. Mas, na volta para o 2º semestre, o horário acabou sendo alterado e fiquei com as aulas geminadas nas três turmas de 8ª séries que leciono no turno da tarde. Fiquei muito contente. Agora sim, sérá possível desenvolver o blog em todas as turmas que ensino nesse período.